* Giuliano Battisti
Devido às fortes chuvas que atingiram o Sul do Espírito Santo no final de semana, muitos municípios vivem momentos dramáticos. Além das mortes já confirmadas, vemos milhares de pessoas desabrigadas e desalojadas, imóveis e pontes destruídos, pistas interditadas, deslizamentos em encostas e outras consequências que tanto afetam as comunidades atingidas.
Neste momento, muitos são os esforços dos diversos setores da sociedade. A solidariedade é uma característica marcante da população e, por vezes, acaba sendo a maior ajuda recebida por muitas destas famílias.
Por sua vez, os gestores e órgão públicos se esforçam no sentido de dar uma rápida resposta à população atingida. Em um primeiro momento atua-se de modo a resgatar e abrigar as pessoas em local seguro para depois restabelecer a infraestrutura básica, fazendo chegar a estes ao menos o mínimo necessário para sua sobrevivência.
Em seguida, para que o máximo possível de normalidade possa ser restabelecida, providenciam-se recursos financeiros para a reconstrução necessária ao retorno gradual da rotina desses municípios atingidos.
É fato que, nas últimas décadas, não poucas vezes, a população se viu diante de calamidades públicas devido às fortes chuvas. Pela sua localização, o Espírito Santo possui o clima tropical, caracterizado por precipitações mais intensas nos meses de verão.
Este é o período em que mais se deve dar atenção aos riscos com os aumentos das chuvas e é nesta época que, de modo recorrente, são registradas as piores catástrofes devido a alagamentos e deslizamentos de terra. Surge aí a grande questão: poderiam tais fatos serem evitados? De quem é a culpa ou responsabilidade?
A resposta não pode ser simplória pois, do mesmo modo, a causa de tragédias não é e cabe-nos uma reflexão. Grande parte do problema ocorre devido à ocupação desordenada da população em locais de risco, seja ele próximo às margens de rios ou em encostas de morros.
Esse tipo de ocupação, que ocorre em grande parte do território nacional, tem origem em vários fatores sociais, econômicos e também de ausência de políticas públicas eficazes. Esse problema se agrava e alcança uma perigosa sinergia quando a variável chuva é adicionada nessa complexa equação.
As chuvas são um fenômeno natural que, embora muito se discuta sua mudança de intensidade e localização devido aos efeitos de alteração no clima, cabe estarmos preparados para as diversas situações e consequências de sua incidência.
Ao atingir o solo, a água da chuva tem alguns caminhos a seguir. Entre eles, temos alguns considerados os mais comuns. Ou ela vai se infiltrar no solo ou vai se transformar em um escoamento superficial.
O primeiro está associado ao aumento de risco para os casos de deslizamentos de terras, visto que o solo encharcado tende a escorrer e deslizar, desprendendo-se de encostas e taludes.
O segundo, por sua vez, tem uma importância muito grande nos casos de inundações e alagamentos, pois soma-se à vazão dos rios, aumentando seu volume, por vezes, de modo abrupto, atingindo cidades próximas às suas margens.
Os municípios possuem em sua legislação um Plano Diretor Urbano (PDU) ou um Plano Diretor Municipal (PDM). É neles que são identificados os locais em que podem ser construídos imóveis e moradias, entre outros. Por outro lado, o Código Florestal Brasileiro, Lei 12.651, de 2012, define as chamadas Áreas de Preservação Permanente (APP), que definem as distâncias dos rios que devem ser protegidas e áreas existentes em topos de morros.
A manutenção e conservação das APPs contribuem de maneira fundamental para a redução dos riscos ambientais e da vulnerabilidade das populações urbanas. Um dos problemas é a ocupação irregular desses locais, que são sempre os mais atingidos pelo aumento do nível de água nos rios ou pelos deslizamentos de solo.
O tema se torna mais complexo, pois essas ocupações são consideradas passivos herdados pelos atuais gestores que, mesmo não sendo os culpados pela ocupação anterior, acabam se tornando responsáveis por evitar ou minimizar os impactos que tal realidade impõe à população.
A solução, em tese, passaria pela retirada desses imóveis e seus moradores das áreas de risco e a não permissão de novas ocupações. Contudo, tais medidas se apresentam inviáveis e inexequíveis neste momento, e demandam investimentos não disponíveis aos diversos municípios.
Além disso, muitas cidades já possuem ocupação consolidada tornando a tarefa ainda mais difícil para os gestores públicos. Estudos indicam, ainda, a instalação de barragens e outros dispositivos de drenagem para resolver os problemas. Além de uma nova abordagem e de práticas de gestão de bacias hidrográficas. Mas são ações que demandam grandes investimentos, porém, já adotados em diversos outros países.
Nos resta, neste momento, uma solução mitigadora que muitos países adotam para fenômenos naturais extremos, tais como tsunamis e terremotos. Essas medidas passariam por medidas contingenciais, com investimento em mais levantamento e mapeamentos de áreas de risco, modelagens matemáticas que considerem os potenciais locais atingidos por extravasamentos e inundações de água. Levando em conta o histórico de chuvas, o uso e ocupação do solo e as características geográficas da região.
Com essas e outras informações às autoridades competentes, seria implantado um programa de conscientização e treinamento contínuo dos habitantes dessas regiões. Aliado a um monitoramento inteligente e dinâmico, com dispositivos variados que, ao ser identificado aumento de riscos nestas regiões, principalmente em períodos de chuvas intensas, possam ocorrer, de modo ordenado e planejado, o deslocamento dessas pessoas para locais seguros, previamente identificados. Com todos os procedimentos necessários e definidos para cada local e suas respectivas características.
Desse modo, sabemos que os danos materiais e sociais não seriam eliminados. Contudo, mais vidas poderiam ser salvas e dado oportunidades para que cada família, ainda que em dificuldades, atingida pela catástrofe, possa ter uma nova chance de recomeçar sua vida em outro local. E o poder público, com planejamento prévio, possa garantir à população a moradia e a assistência aos desamparados, entre outros, conforme preconiza o artigo sexto de nossa Constituição.
* Giuliano Battisti é engenheiro Civil, Ambiental e de Segurança do Trabalho e gerente de Relacionamento Institucional do Crea-ES
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