Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República com discurso anticorrupção. Foi esse, entre outros aspectos, o motivo que levou milhões de brasileiros a canalizarem para ele suas esperanças em 2018. O plano de governo de Bolsonaro, “O Caminho da Prosperidade”, dá ênfase à palavra “libertação”. A promessa grandiosa era a de “libertar os brasileiros”, o que incluiria, é claro, libertar-nos do flagelo da corrupção.
Passados pouco mais de oito meses de governo, a expectativa cedeu lugar à realidade. Sejamos francos: o presidente Bolsonaro não fez, até aqui, nenhum gesto concreto que indique compromisso real com o combate à corrupção. Pelo contrário. Os sinais são péssimos.
Sem o menor pudor ou embaraço, Bolsonaro tem interferido - e declarado abertamente a sua intenção de interferir - na direção de órgãos vitais no enfrentamento ao crime organizado e de colarinho branco. Órgãos cujo sucesso no cumprimento dessa missão depende, fundamentalmente, da autonomia funcional e da independência absoluta em relação a qualquer governo.
Enfrentando enorme reação de policiais federais (segundo ele, “babaquice”), Bolsonaro tem tentado trocar delegados, por critério estritamente pessoal, no comando de superintendências estratégicas da Polícia Federal - atribuição privativa do diretor-geral da PF.
Sem mais nem menos e sem explicar direito o porquê, tentou trocar o superintendente da PF no Rio de Janeiro, onde o clã Bolsonaro tem sua base, pelo “de Manaus”. Até o mais cândido dos ingênuos desconfia de que o “porquê” sejam investigações da PF que incomodam Bolsonaro porque envolvem o seu filho Flávio e outras pessoas diretamente ligadas a ele.
Na mesma linha, Bolsonaro tem feito gestões para trocar auditores fiscais à frente de postos estratégicos da Receita Federal, como as unidades da Barra da Tijuca - onde mora Bolsonaro - e do Porto de Itaguaí, também no Rio, considerado estratégico para a atuação de milícias fluminenses, tanto no tráfico de drogas como no de armas.
“Fui [eleito] presidente para interferir mesmo, se é isso que eles querem”, declarou ele, no dia 21 de agosto.
COAF BEM LONGE DE MORO
Quanto ao Coaf, o ex-juiz Sergio Moro se uniu a Bolsonaro e aceitou tornar-se seu ministro da Justiça com um grande sonho de consumo: transferir para debaixo da sua asa o órgão de inteligência sobre atividades financeiras, tão importante em operações como a Lava Jato. Nada feito.
Inicialmente, o Coaf continuou sob o Ministério da Economia. Nas batalhas travadas no Congresso, Moro foi um general sem exército. O capitão Bolsonaro não fez a menor qüestão de ajudá-lo nisso daí. Agora, por força de Medida Provisória firmada com a Bic presidencial, o Coaf foi reconfigurado, mudou de nome (UIF) e está subordinado ao Banco Central. Mais longe ainda de Moro.
Enquanto isso, por decisão liminar do presidente do STF, Dias Toffoli - sim, aquele mesmo tão repudiado em manifestações pró-Moro e pró-Bolsonaro -, os órgãos de investigação, incluindo a PF e o MPF, não podem mais prosseguir com investigações baseadas em dados compartilhados pelo Coaf e pelo Fisco sem autorização judicial expressa e prévia.
Isso atendendo a um pedido da defesa de… Flávio Bolsonaro, que se via cada vez mais enrolado com as investigações do “caso Queiroz”, sobre suposto enriquecimento ilícito e suposta apropriação de salários de servidores lotados em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Bom lembrar que foi ele, Dias Toffoli, quem posou ao lado de Bolsonaro e dos presidentes das casas do Congresso (Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre), no fim de maio, propondo um grande “pacto nacional”. Na ocasião, ninguém entendeu direito, tampouco foi bem explicado, no quê, exatamente, consistiria esse pacto. Agora começa-se a entender…
EX-JUIZ FEITO DE GATO E SAPATO
E o ministro Moro nisso tudo? A esta altura, deve estar arrependido da pior decisão que tomou em sua vida. Talvez devesse deixar o governo enquanto ainda goza de altíssima popularidade e ainda não bateu no teto da humilhação pública.
Num golpe de mestre, Bolsonaro o trouxe para seu lado logo após a vitória eleitoral, a fim de transferir a seu ministério a marca “Lava Jato” e reforçar, ao menos no campo simbólico, o pretenso compromisso de seu governo no enfrentamento ao crime (inclusive, a corrupção). Só que Moro está todo amarrado.
De potencial superministro, passou à condição de marionete, ou mascote, de Bolsonaro. É um símbolo, um troféu na prateleira do presidente, cujo real poder de decisão vai sendo atrofiado, podado pela baioneta do próprio Bolsonaro, a cada dia que passa.
O ex-deputado “contratou” o ex-juiz sob a promessa de lhe dar “carta branca” nas nomeações. Mas, tanto nos gestos como em declarações literais, Bolsonaro tem sobrepujado essa “carta branca” pelo seu “poder de veto”. E como tem exercido esse poder… Como tem fritado e contrariado Moro…
No mais importante embate, Bolsonaro tem feito de tudo para substituir o próprio diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, escolhido a dedo por Moro. “Eu dou liberdade para os ministros todos. Mas quem manda sou eu”, declarou no dia 16 de agosto para a imprensa, mas, enviesadamente, para seu descontente ministro.
Para Bolsonaro, se ele não puder mexer pessoalmente nas peças desses órgãos de investigação, será um “presidente banana”. Na verdade, seria um presidente que respeita as instituições. Mais banana é, por exemplo, um presidente que não demite um ministro atolado até o nariz em suspeitas de esquema de laranjas.
E agora essa escolha absurda para a chefia do MPF… A palavra final é do presidente, tá ok? Sim, segundo a Constituição, está ok. Mas não deixa de soar como outra interferência indevida, contrária à vontade dos próprios procuradores da República.
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Afinal, para a lista tríplice da categoria, Bolsonaro fez o mesmo que, segundo ele, devemos fazer a cada dois dias.
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