Ser amigo é ter disposição para passar pano. É preciso deixar o chão de uma amizade liso, sem sujeira, enceradíssimo, polido, para que ninguém tropece. Chão de amizade foi feito para dançar sem cair.
Amizade é uma coreografia sutil e complexa. Muda de ritmo ao longo da vida. Sentimentos e movimentos nem sempre são harmônicos. É preciso paciência para sintonizar e manter a alta frequência de uma amizade rara, daquelas que a gente quer que dure. Dá trabalho, ou melhor, exige intenção de cuidar.
Ah, a intenção, essa delatora. Aquela palavra não dita que aparece em toda ação e não nos pede licença para ser percebida. Poderia ser traduzida como propósito. Por isso, muitas vezes um pedido de desculpas vem acompanhado de um “não foi de propósito.” E, na maioria das ocasiões, não foi intencional mesmo, foi vacilo.
Entre amigos, o propósito é o DJ e a amizade é uma playlist boa. Uma curadoria em dupla, com as melhores intenções compartilhadas, produz trilhas sonoras que inspiram a vida.
Boas amizades alternam os estilos sem fazer ruído. Não é sempre que estamos disponíveis para ser par naquele forró pé de serra, sempre grudadinho, no compasso da alegria e da zabumba. Há momentos, que estamos meio jazz, teatrais, imprevisíveis, ou dramáticos, feito um tango ou um flamenco.
Dificilmente uma amizade duradoura é mantida com a elegância distante de uma valsa, com passos calculados e espetaculares – quase sempre aos olhos de terceiros, que, no salão cheio, só veem o plano médio das duplas e desconhecem os pisões no pé.
Gosto de pensar as amizades como danças contemporâneas, flexíveis, adaptáveis e com liberdade de movimento e expressão. Amizades ventiladas, feito varanda à beira-mar. Tenho amigos assim, refrescantes. Em um planeta que está superaquecendo, tornam-se ainda mais queridos.
Amigos que desafiam tempo e distância, mudanças internas e externas, equivocam as normas e exploram novas possibilidades. São esses que nos ajudam a atravessar o espelho e não apenas nos refletem. Amizades assim são espaços de dança, que permitem o improviso e solos inspiradores. Ajudam a expandir a consciência e a abundância no mundo. São parcerias de transcendência.
A dança é um bom caleidoscópio para entender a diversidade das amizades. Tem estilo que a gente não curte. E outros que nem sabemos explicar por que gostamos tanto. Passamos pano e pronto.
Um bom exercício para entender qual a natureza da amizade é perguntar – sem medo da resposta: Esta amizade me prende ou me liberta? Não dá outra. Todo vínculo positivo é libertador.
Dia do Amigo vindo aí. Já comecei a selecionar minhas melhores playlists.
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