Ser uma mulher emocionada me deu de presente algumas cicatrizes e centenas de histórias para contar. Se eu fosse escrever autoficção - talvez escreva mesmo - teria bons assuntos para mais de uma dezena de livros. Sou detalhista e seletiva nas minhas lembranças, só consigo lembrar do que me emocionou profundamente e, geralmente, positivamente. Para todo o resto tenho péssima memória.
Sempre estudei para provas escolares na noite anterior, porque sabia que em 24h grande parte do conteúdo haveria desaparecido. Só manteria na memória aquilo que o meu coração havia registrado. Não consigo lembrar citações, fórmulas e tabelas que fui obrigada a decorar, mas consigo sentir a dor refletida nos olhos de Bertoleza, personagem de "O Cortiço", livro de Aluízio Azevedo, como se o tivesse lido ontem.
Gosto de reviver alegrias. Como a que eu senti na chegada da primeira menstruação. Pode parecer estranho, mas sempre adorei menstruar. A palavra empoderamento ainda não era comum como é hoje, mas o sentimento era esse: de crescer em si. Quis logo começar a usar sapato de salto para alinhar-me fisicamente com o meu novo tamanho interno. Diria que foi uma experiência de expansão da consciência.
Saber, com o próprio corpo, que a mulher sangra todo mês e não morre, nos torna um “bicho esquisito”, como diria Rita Lee e, por isso mesmo, talvez menos óbvias, menos rastreáveis, mais enigmáticas e complexas. Quem sabe essas características sejam prenúncio de um futuro melhor?
Amo visitar minhas memórias, as antigas e as recentes, as melhores, mesmo algumas não tão alegres, mas que possam me ajudar na melhor compreensão da minha leitura da vida. Porque tudo é mesmo sobre a história contada por você, para você.
Reviver memórias gentis é como acariciar a alma. É uma viagem boa lembrar do frio na barriga do primeiro beijo ou da timidez na primeira transa. Jamais esquecerei que, depois, lavamos os lençóis juntos, em uma cumplicidade delicada.
![Sonho](https://midias.agazeta.com.br/2024/03/07/sonho-2036056-article.jpg)
Detalhes que emocionam são perenes. Em uma sociedade patriarcal, onde o feminicídio bate recordes, conseguir reviver pequenas memórias de alegrias, proporcionadas por homens especiais, bons parceiros, bons amigos, que conseguem deixar a mulher confortável até na sua máxima vulnerabilidade do feminino, enche o coração esperança.
Saudações, às emocionadas, desejo uma vida que valha a pena recordar.
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