É jornalista e escritora, escreve quinzenalmente a coluna Sextas Crônicas

Gosto de gente doida

Se o mundo parece louco e gostamos dos loucos, por que ele anda tão estranho, para não dizer infeliz? Talvez seja o caso de analisar que tipo de doido deixa o mundo melhor e quais loucos estão espalhando tristeza mundo afora

Vitória
Publicado em 01/11/2024 às 02h00

“Eu gosto é de gente doida”. Essa frase famosa é do escritor, advogado, dramaturgo, poeta e professor paraibano Ariano Suassuna. Dia desses, fiz um repost dela na rede social, meio como desabafo. Fiquei impressionada com as dezenas de compartilhamentos imediatos.

Mas se o mundo parece louco e gostamos dos loucos, por que ele anda tão estranho, para não dizer infeliz? Talvez seja o caso de analisar que tipo de doido deixa o mundo melhor e quais loucos estão espalhando tristeza mundo afora. Tenho preferência pelos malucos-beleza.

Gosto de gente doida que tira a roupa, mas não daquela gente que joga pedras. Gosto muito dos malucos que mergulham nas ideias e as realizam. Gosto demais de gente que imagina futuros com possibilidades menos desiguais. Dos que apostam no que nunca viram, porque sabem interpretar sonhos. E, principalmente, dos que nos inspiram a sonhar.

Como nada é coincidência, há poucos dias, estava em um evento, que reuniu grandes filantropos brasileiros, onde o publicitário Nizan Guanaes falou algo assim: “Não basta cesta básica, é preciso promover a capacidade de sonhar.” Naquele instante, eu tive uma epifania, um insight e um devaneio poético, ao mesmo tempo, para ser o mínimo abrangente. Vi livros dentro de cestas básicas.

Ainda estava divagando sobre a dificílima inclusão de livros nas cestas básicas brasileiras, quando fui para a pista de dança me jogar no show de Chitãozinho e Xororó. Sertanejei. Soltei a voz. Deixei meu corpo responder a algumas questões que me faltaram palavras para formular na intensidade vivida naquele dia.

Novamente, lembrei-me de Ariano Suassuna, desta vez, porque Tais Araújo estava ali, como uma aparição, belíssima, dançando ao meu lado. A atriz fará o papel de Nossa Senhora no filme O Auto da Compadecida 2, que estreia em dezembro. De alguma forma, encaixei meu devaneio na lembrança da cena de defesa de João Grilo, no purgatório, feita pela “Nossa Senhora Fernanda Montenegro”, no primeiro filme.

O Auto da Compadecida
O Auto da Compadecida. Crédito: Divulgação

João Grilo é um anti-herói inesquecível, mente praticamente o tempo todo. No purgatório, nem ele se perdoou. Sabia que suas mentiras não eram tão bem-intencionadas quanto pareciam. “Peguei gosto por enganar as pessoas”, dizia ele. Mas a santa sábia argumentou com o filho – Jesus – sobre as razões pelas quais João fez da mentira sua arma para sobreviver à fome no sertão. Pro céu ele não foi, mas ganhou uma nova possibilidade na terra. Reencarnou.

O direito ao sonho é básico. Mas o que pode resgatar o sonho em realidades de pesadelo? Talvez alguma poesia, alguma boa história ou um boa reflexão filosófica, desde que sejam palavras que evitem a produção em série de loucos de corações duros. O estilo de escrita tem relevância, mas de nada vale sem provocar algo de indizível no leitor.

Enquanto eu cantava “o sinônimo de amor é amaaar” minha cabeça nas nuvens misturava arroz, feijão e livros sortidos. Mas não seria loucura? Seria não, é loucura. Valei-me, Nossa Senhora, como iremos realizar isso sem evidências científicas de que vai dar certo?

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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