É jornalista e escritora, escreve quinzenalmente a coluna Sextas Crônicas

Hoje é o dia oficial do 'oi, sumido'

Conscientes ou não, gostamos de tudo aquilo que dispara nossa dopamina. A maior comunidade da internet é a de biscoiteiros

Vitória
Publicado em 06/09/2024 às 03h30

Sextei, sem Twitter. Apaguei o aplicativo. Há alguns anos, o meu já estava abandonado, só mato por lá. Foi a minha rede predileta quando nasceu. Nada mais me atraía na atual, não a usava nem sequer para fazer um mísero retuíte, mas ainda estava apegada ao antigo ícone

Todo esse falatório sobre o encerramento da rede me fez sentir saudades do Jack. Aquele Jack das antigas. Sem sobrenome, cheio de charme, massoterapeuta, praticante de yoga, adepto da meditação. Na verdade, achei extemporâneo seu sumiço pós-venda. Sempre me pergunto: qual parteira pariu esse X, que já nasceu com cara de EX ? Volta, Jack, que a gente perdoa essa facada.

Dois minutos de busca e saberemos que Jack, o criador do Twitter, não sumiu. Apenas trocou o passarinho pela borboleta azul. Piscamos e ele fez novamente. A borboleta foi trocada por um flamingo. A primeira é símbolo da Bluesky. O flamingo está no logo da Nostr, o novo projeto do Jack, seu investimento em plataformas livres e convergências para resgatar a internet como local seguro, de diversão e encontro de amigos on-line.

Jack, com sua cara de bom moço, jeito de gênio gentil, criou a rede social mais tóxica da internet, mas está cheio de intencionalidade na ação para mudar o mundo virtual, e isso é tudo o que precisamos para nos convencer de que, se os planos dele derem certo, finalmente, teremos mais liberdade, acesso e controle sobre os nossos dados. Ele age como um viajante que segue um fio de Ariadne invisível, no labirinto que ajudou a criar. Ah, Jack, me engana, que eu gosto. Como são convincentes os que falam o que queremos ouvir?

Nossos ouvidos estão sempre preparados para palavras que nos iludem sobre o outro, e até – ou principalmente - sobre nós. É nessa brecha que operam discursos categóricos sobre realidades não correspondentes. Impossível não lembrar do Cazuza: "Tuas ideias não correspondem aos fatos. O tempo não para. Eu vejo o futuro repetir o passado. Vejo um museu de grandes novidades”.

Talvez hoje, dia do sexo, seja meio brochante refletir sobre verdades e manipulações. Melhor evitar. Conscientes ou não, gostamos de tudo aquilo que dispara nossa dopamina. A maior comunidade da internet é a de biscoiteiros. Consumimos e produzimos os biscoitos que permitem Jacks e Marks, entre outros, deitarem e rolarem no universo digital, mas não podemos negar que lambemos com prazer os farelos que caem dessa mesa farta.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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