Bia Brunow é uma jornalista que virou cozinheira. Por aqui vamos ter muita cozinha afetiva, viagens e histórias contadas entre uma garfada e outra

Cogumelo: de aventura infantil a ingrediente favorito. Veja receita!

Amo misturar variedades em pratos de preparo simples mas com certa complexidade de texturas, como é o caso do arroz multigrãos com cogumelos, cebola crocante e ovo caipira

Publicado em 08/11/2019 às 11h00
Atualizado em 27/03/2020 às 20h02
Arroz multigrãos com mix de cogumelos, cebolas crocantes e ovinho caipira. Crédito: Renato Costa
Arroz multigrãos com mix de cogumelos, cebolas crocantes e ovinho caipira. Crédito: Renato Costa

Gosto de pensar que sou uma garota cosmopolita, que curte a natureza de uma forma segura. Não tenho fixação por trilhas e praias, mas curto umas plantas e uma selva de vez em nunca. Tudo em um nível ideal, para não ser considerada hippie-esotérica-mística. Não sei mais como os jovens se referem a isso esses dias.

Durante boa parte da minha infância meu beatle preferido era o John Lennon. Minha loja de roupas era aquela que tinha umas batas indianas. Eu curtia queimar uns incensos e meu sonho de consumo era um livro sobre gnomos que havia visto na livraria Logos, no então recém-inaugurado Shopping Vitória.

Tenho uma tia que é artista plástica. Naquela época, ela morava em uma casa rústica, no meio de uma mata. Toda vez que eu ia visitar a Tia Ivanilde, imaginava que ali seria o local ideal para esbarrar com uma criaturinha mística. Ficava procurando. Minha fixação era tanta que minha mãe finalmente cedeu e me presenteou com o tal livro no Natal. Voltei de férias animada para compartilhar com os colegas as lições aprendidas.

Entre um gnomo e outro, duas páginas catalogando espécies de cogumelos me chamaram a atenção. Durante uma caminhada no recreio com Roberta, minha melhor amiga da 3ª série, pude perceber uma boa variedade dos fungos espalhada pelos campos do Colégio Marista de Colatina. Mais que depressa, convenci minha amiga a me ajudar a colher as espécies e catalogá-las de acordo com o livro. Seria uma aventura.

Considerando que minha mãe achava que eu não batia muito bem das caixetas, ela ia ter um treco se eu chegasse em casa de posse daquele tesouro fétido. “Tive uma ideia”, exclamei para minha comparsa. Pudemos prever que algo terrível estaria para acontecer. “Você pode levá-los para casa como se fosse um trabalho de Ciências. Colocaremos em potes com formol e eles ficarão conservados o bastante para que possamos estudá-los”.

Cogumelos enoki, shiitake, eryngui, shimeji branco e shimeji preto. Crédito: Renato Costa
Cogumelos enoki, shiitake, eryngui, shimeji branco e shimeji preto. Crédito: Renato Costa

Roberta, companheira que só, topou. Só que não tínhamos formol (ainda bem, né?). Então, achamos que água mesmo daria jeito. Foi isso. Roberta levou potes e potes de cogumelos cobertos de água. Acontece que quando se é criança, toda fixação passa meio rápido. A fixação passou e os cogumelos seguiram na casa de Roberta fermentando um odor tão desagradável que rendeu a ela um bom sermão da mãe. Desculpa aê, Roberta.

Meados de 2011 e eu era uma cozinheira de ocasião. Passava o tempo procurando novidades e ingredientes para incrementar meus pratos. Foi quando me deparei com eles. Dessa vez embalados em potes de isopor e plástico filme. Limpinhos e prontos para ir pra panela. Nesse dia os cogumelos deixaram de ser uma lembrança “fétida” para se tornarem um dos meus ingredientes preferidos na cozinha. De lá para cá, por sorte, o produto se popularizou um pouco mais – temos boa variedades em uma série de mercados, e, além disso, desenvolvemos uma relação próxima com os produtores locais, que atuam, em sua maioria, nas montanhas capixabas.

Cogumelos de espécies variadas escolhidos por Bia Brunow. . Crédito: Renato Costa/Divulgação
Cogumelos de espécies variadas escolhidos por Bia Brunow. . Crédito: Renato Costa/Divulgação

Através de cursos de culinária que fiz no restaurante Soeta, conheci o Sitio Antares (@sitioantares) e seus cogumelos Paris espetaculares. Impressionei-me com os shimejis da Fazenda Urbana (@fazendaurb), que tem sua produção no meio do Bairro República. Mas mal sabia eu que a história dos cogumelos ainda daria algumas voltas.

Lembra da Tia Ivanilde, da casa na mata? Atualmente ela tem passado um bom tempo no Sítio Frederico (@sitiofrederico_cogumelos), na região de Marechal Floriano. O espaço pertence a seu filho, Inácio, que nele se dedica à produção de... cogumelos. Talvez lá eu encontre os duendes, não sei. Mas certamente são os shiitakes mais deliciosos que já provei.

Produção de cogumelos shiitake em blocos do Sítio Frederico, nas montanhas capixabas. Crédito: Ivanilde Brunow
Produção de cogumelos shiitake em blocos do Sítio Frederico, nas montanhas capixabas. Crédito: Ivanilde Brunow

CATALOGANDO ESPÉCIES E CRIANDO PREPARAÇÕES

Os cogumelos mais comuns por aqui são o Paris, aquele branco robusto que chutou para escanteio qualquer chance do insosso champignon em conserva; o Portobello, variação mais forte e maior que o Paris; o shimeji, que está quase sempre associado a preparações orientais; e o shiitake, o grandão que rompeu as barreiras do Oriente e começou a caminhar por preparações bem diversas.

Não foi difícil que esse ingrediente caísse no gosto popular – além de serem deliciosos e demandarem pouca técnica no preparo, os cogumelos são muito saudáveis e nutritivos (mesmo salteados com um bom naco de manteiga e vinho branco). Eu amo misturar as mais plurais variedades em pratos simples no preparo mas com certa complexidade de texturas, como é o caso deste arroz multigrãos com mix de cogumelos, cebola crocante e ovinho caipira:

Arroz multigrãos com mix de cogumelos, cebolas crocantes e ovinho caipira, por Bia Brunow. Crédito: Renato Costa/Divulgação
Arroz multigrãos com mix de cogumelos, cebolas crocantes e ovinho caipira, por Bia Brunow. Crédito: Renato Costa/Divulgação

Começo cozinhando uma xícara de arroz multigrãos num caldo caseiro qualquer. Em seguida, corto os cogumelos Paris em fatias finas, o shiitake em cubos maiores e despedaço o shimeji branco, descartando as partes mais fibrosas. Aqueço um bom bocado de manteiga e refogo alho e cebola bem picadinhos até darem uma sumida.

Acrescento os cogumelos – shimeji, Paris e shiitake – nessa ordem, e salteio até dourarem bem. Tempero com shoyu de boa qualidade, pois acredito muito nesse casamento. Rego com uma pequena dose de vinho branco e finalizo com uma boa rama de tomilho fresquinho antes de misturar o arroz novamente.

Para a cebola dourada, corto em fatias finas e tento secá-las ao máximo. Passo-as rapidamente no trigo e frito em óleo quente até dourarem. Elas dão um dulçor e mais uma textura ao prato – não fossem suficientes os cogumelos e os grãos. Para finalizar, um ovo caipira perfeito (na minha opinião), com aquela crostinha queimada na clara e a gema liquida, a serviço de umedecer e envolver todas aquelas texturas e sabores. 

DICAS DA BIA:

  • Tente conhecer seu produtor e converse com ele. As produções de cogumelos têm várias fases. Eu, por exemplo, gosto mais dos cogumelos Paris pequenos. Mas eles não me servem muito se a intenção é fazê-los recheados. Seu produtor pode ajudar nisso tal e qual um bom peixeiro que indica o melhor peixe do dia para ceviche.
  • Não lave os cogumelos. Caso seja necessário, passe um paninho para retirar a terra e só. Eles atuam como uma esponja, sugando os sabores da sua preparação. Isso tudo não vai fazer muito pelo seu prato se eles estiverem encharcados de água.
  • Shoyu é delicioso, mas é sal liquido. Não arruíne um ingrediente usando um shoyu de má qualidade ou em grande quantidade.
  • Cogumelos são amigos da manteiga. Mas também podem se divertir com azeite vez ou outra.

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