Luca, 9 anos
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"Por que os pais mandam nos filhos? E por que a gente não pode fazer tudo o que deseja?"
Essas perguntas foram feitas pelo meu filho e eu pedi a permissão dele para escrever a resposta na coluna.
Meu filho está sofrendo de overdose de pais. Imagino que os filhos de vocês também estejam. Hoje, cansado de ser “mandado” – acorde; tome o café; faça o dever de casa; pare de jogar; tome banho; almoce; arrume seu quarto; brinque com o gato; tome seu lanche; vá para a aula online; leia o livro – me saiu com essa!
Ufa, só de digitar eu já perdi o fôlego. A criança “trabalhou” mais que um funcionário de uma empresa. Confesso que o tom imperativo só aparece quando expressado o pedido pela terceira ou quarta vez. Ou seja, a frase começa assim: “Filho, é hora do seu banho”. Dez minutos depois: “Filho, o banho!!!”. Mais 10 minutos: “Tome o seu banho!!!”. Imagino que muitas mães estejam rindo ao se identificar com essa cena em algumas situações do cotidiano.
Seria tão mais prático responder: “porque sim! Mando, pois sou sua mãe e é assim desde que o mundo é mundo!”. E tão altruísta dizer: “porque quero o seu bem”.
Mas o fato é que “mandamos” nos filhos porque queremos que nossa vida, a despeito das necessidades deles, funcione. Nós temos horários a cumprir, regras rígidas a seguir, prazos urgentes, o almoço a ser feito, a casa a ser limpa. E ao mandarmos temos a ilusão de controle, de que estamos fazendo o nosso trabalho bem feito, alimentando-os, limpando-os, educando-os.
O funcionamento das crianças busca o mínimo de frustração. Se uma atividade lhes dá satisfação, investem horas a fio nela, e não se dão conta da fome, do sono ou da sede. Ainda não possuem esse relógio que designa o tempo para tudo. Para a criança, o tempo é o tempo do seu desejo e não o do nosso. Daí surgem os conflitos, principalmente no momento em que estamos vivendo. Cumprindo a vida e não usufruindo dela.
Ao final, o que me ocorre é que não tenho uma resposta a essa pergunta de meu filho. Eu gostaria muito de não ter que “mandar”, mas acho que do lado dele, sente urgência em ser “mandado”. Isso pode lhe conferir segurança, ou talvez o sentimento de ter alguém que se importe com ele, que zele por seu bem-estar. E é absolutamente o que todas as crianças fazem ao não cumprirem os combinados: “Ei, papai e mamãe, vocês realmente me amam?”. E a resposta deve ser: “sim, já para o banho”.
Já com relação a segunda pergunta eu espero ter me saído melhor. Então logo perguntei: - O que você deseja nesse momento? A resposta foi imediata: - Sair da aula on-line e voltar para a escola.
Imagino que as crianças de vocês também! Embora a aula on-line tenha sido a estratégia disponível para manter as crianças vinculadas à escola, esse modo não garantiu de modo algum o funcionamento de todas as necessidades da criança. Na infância a aquisição de conteúdo é apenas, no meu entendimento, de habilidades a serem adquiridas na infância, uma fatia pequena das necessidades intelectuais da criança.
A convivência ampliada com outras crianças, os momentos de brincadeiras coletivas, as disputas, as regras, aprender a lidar com as diferenças, o contato corporal durante os jogos, os gritos no recreio, o compartilhamento de uma ideia, o trabalho desenvolvido a várias mãos, é algo que a tela do computador não garante e jamais irá garantir. Na infância as crianças precisam de outras crianças e de diferentes idades.
Se de uma coisa nós sairemos convencidos de toda a experiência do isolamento social é que nenhum homem, mulher ou criança é uma ilha, e que precisamos do contato direto com as outras pessoas para garantir o nosso bem-estar emocional, principalmente. Para nos salvar dos excessos, ou das insuficiências das nossas famílias.
Então, como resposta ao meu filho, disse: “Eu também, querido, desejo que logo, logo você possa realizar o seu desejo. Estou solidária a você. Enquanto isso, vamos fazer uma chamada de vídeo com seus amigos para jogar um pouco ou conversar sobre o livro que você está lendo”.
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