Há uma década, quando descobri que estava grávida de um filho que seria menino, uma das primeiras preocupações que tive foi com a violência. Eu tive a oportunidade de estudar saúde coletiva e aprendemos que os homens são as maiores vítimas das violências que acontecem fora de casa.
Mas dentro de casa são os maiores promotores de violência, a doméstica, normalmente contra suas companheiras, mulheres e filhas. A cabeça de uma jovem mãe é bastante suscetível a essas intrusões futurísticas. Também pudera, emprestar o corpo para que outro ser humano cresça e endereçar cuidados extremamente intensos, e sem férias, é algo que certamente demanda os mais ampliados esforços de uma mulher. E esses esforços podem impedir seus filhos meninos de suas responsabilidades com quem convive.
Essa semana a violência doméstica despedaçou mais uma família. Independente da classe social, a recusa dos homens em aceitar a perda de um laço afetivo é como uma doença endêmica, e está fortemente enraizada na nossa cultura. Basta mudar a estação do rádio para ouvirmos, ao som das sanfonas as mais variadas, baladas que versam sobre a fragilidade masculina diante da perda. Como o masculino é frágil quando lhe partem o coração.
Precisamos urgentemente empoderar os meninos! Tenho certeza que muitos irão dizer que os homens já são empoderados! Ledo engano. Nunca vivemos em uma cultura onde os meninos estão crescendo mais e mais frágeis, emocionalmente.
Empoderar os meninos é permitir que eles expressem suas masculinidades. Isso mesmo, masculinidades, pois não há uma única forma de ser homem. Na minha casa, meu filho, desde muito pequeno, expressa sua agressividade partindo para cima. O que é natural e constituído desse gênero de nossa espécie. No corpo a corpo, o bicho humano vai testando a si mesmo e os limites que os outros impõem. Muito novinho tinha o hábito de “cortar meu pescoço” ou de “me dar um tiro”. E nesses momentos eu sempre morria. Isso mesmo, morria! Afinal é o que acontece quando somos violentados na integridade de nossos corpos. A brincadeira ficava e ainda fica paralisada, nesses momentos. E uma reparação do ato se faz necessária. Rapidamente ele aprendeu que não há zumbis, morreu, acabou. E nessa dialética foi entendendo que pode, sim, me matar, simbolicamente, e que mesmo dessa forma tem consequências.
Precisamos urgentemente ensinar aos nossos meninos que eles têm escolhas, e elas tem consequências. Precisamos para ontem ensinar aos nossos meninos a governarem as próprias vidas, cuidando de si mesmos: lavar a louça do almoço, arrumar a cama, levar o cachorro para passear, consertar o que se quebrou, ir ao supermercado com a lista de compras, pedir desculpas, são atos de grande empoderamento.
Nenhum homem é uma ilha, e infelizmente estamos criando meninos cada vez mais solitários, inibidos e ansiosos. Não sabem lidar com as diferenças, com as chacotas, com as derrotas, se ressentem absurdamente por qualquer adjetivo não bem-vindo. Não possuem jogo de cintura nas relações com os colegas, desprezam as diferenças.
Estar junto em família e em sociedade é algo realmente desafiador na experiência humana e tudo isso se agrava na adolescência, quando ocorrem os primeiros encontros afetivos com o outro sexo. Esses jovens homens que mal sabem lidar com seus iguais, não conseguirão suportar as alteridades do sexo oposto. Não respeitarão os limites dos corpos, suas diferenças anatômicas e, ávidos por experimentar o falso empoderamento que o machismo estrutural tanto lhes garante ser de direito, violarão ao outro e a si mesmos, numa busca imaginária de se fazerem homens. Mas um homem idealizado e que jamais será alcançado, pois não existe.
Essa semana, três meninas assistiram, impotentes, ao homem que devia protegê-las de tudo, principalmente de si mesmo, assassinar sua mãe. Nesse devaneio assustador o que me ocorre é a flagrante impotência desse homem, em lidar com o masculino e principalmente com o paterno. Frágil quanto a ambos os laços, atua aniquilando aquela que seria a causadora de seus mal-estares, sua ex-mulher.
Embora se pareça um ato de poder extremo, matar o outro, nessa circunstância é uma bela demonstração de incapacidade e fragilidade dessa falsa masculinidade que empobrece os homens. Odiar, desejar o mal, querer se vingar são emoções e pensamentos que ocorrem aquele que se encontra ferido, mas ter a capacidade de reorientar esses impulsos e designa-los além dos atos violentos é equação que demanda empoderamento interno considerável.
O despedaçamento de uma família só nos alerta o quanto precisamos fortalecer nossos meninos, ensinando-os a sobreviver e a se reorganizar emocionalmente diante das frustrações inevitáveis que irão viver ao longo de toda uma vida.
Ensinar a lidar com a frustração é também mostrar que eles terão ombros para chorar, ouvidos para lamentar, mas que também sejam convocados quanto as suas responsabilidades nas relações que constroem. Afinal quando um laço amoroso acaba, a responsabilidade é de ambos, e cada um terá que encontrar nos seus repertórios pessoais, formas de lidar com o luto.
Meu voto de ano novo é que a gente permita aos meninos, desde cedo, que se frustre, mas, principalmente que encontrem acolhida. Que possam falar sobre essas frustrações, raivas e amarguras. Que possam chorar para além do entorpecimento do álcool e do endereçamento a outro laço amoroso de imediato, como cantam as canções que embalam as multidões.
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