Pergunta: Amo meus filhos, mas ser mãe é exaustivo. Gostaria de ter um pouco mais de ajuda, mas tenho medo das comparações. O que fazer?
Não há medalhas para as mães. Embora seja exatamente isso o que a grande maioria das mulheres desejam receber quando tem seus filhos. Escolher cuidar de uma criança, quer por razões conscientes, e pasmem, na grande maioria das vezes, por razões inconscientes, promove na vida da mulher uma enorme transformação. Há ganhos, afinal quem não adora paparicar um pequeno ser vivo, um pedacinho de si, mas para isso há de serem feitas inúmeras renúncias. Os 12 trabalhos de Hércules não chegam aos pés das demandas que uma mãe deve atender no que diz respeito ao cuidado com seus filhos. Mas não há medalhas.
Com a ruptura entre os limites da vida pública e da vida privada, a partir popularização das redes sociais, em todo o mundo, o exercício privativo do cotidiano de cuidados que mulheres dispendem aos seus filhos passou a ser visto mais de perto e principalmente julgado. O que antes permanecia restrito ao lar, e aos álbuns de fotografia, agora ganha em instantes o olhar de pessoas que não se conhecem.
Nessa falsa dimensão que as pessoas tem de que ao terem acesso aos conteúdos da vida dos outros podem, ou, melhor, se veem no direito de emitir suas opiniões, cresce dia a dia as hostilidades nos discursos direcionados às mães. Nessa arena das comparações, as mães são as gladiadoras mais ferozes, infelizmente umas contra as outras.
Afinal o que é uma mãe?
A palavra mãe é um termo polissêmico. Ou seja, não existe um único modelo, uma única forma, um único modo de ser mãe. Na nossa cultura, essa palavra está muito arraigada ao seu sentido biológico que é o de dar a vida, ou seja, emprestar o corpo físico para gestar e parir outro ser humano.
Mãe é aquela que cuida de um filho, esse já fora de seu corpo de origem. Curiosamente os seres humanos sobrevivem somente porque foram cuidados por alguém. Na nossa sociedade, acontece de ser, na sua grande maioria das vezes, uma mulher. Essa pessoa que nutre, com seu leite ou não, que cuida para que esse bebês seja atendido nas suas demandas físicas e na mesma medida psíquicas. Alguém que dê a esse bebê um nome, o ensine sobre o mundo em que vive, e principalmente que o respeite como outro ser humano. Agora pasmem, tudo isso também pode ser feito por um homem. Eu poderia continuar enumerando uma infinidade de modos de ser mãe e não necessariamente ter um corpo de mulher.
Mas o que vale infelizmente nesse universo ainda é a medalha. Há uma expressão interessantíssima que é: “menas mãe”. Ela é destinada àquela que desvia do que a cultura determina que seja o materno. E essa cultura é principalmente construída entre as mulheres e pelas mulheres. O parto tem que atender a um modelo muito específico, senão não serve. A amamentação da criança deve ser exclusiva até um tempo muito longo, se não, falhou. Onde e como dormem as crianças, mais um motivos de uma infinidade de perfis nas redes sociais. O que eu quero dizer é que a maternidade e a infância vendem, e muito. É um mercado que movimenta algo em torno de 50 bilhões ao ano. É preciso investir pesado para ganhar a medalha.
Essa semana teve fogo no parquinho. Numa rede social uma modelo fez relato do quanto estaria cansada por ter dormido a noite com seu bebê. Essa criança ainda muito pequena acordou, afinal como todas as crianças fazem, muitas vezes, e isso a teria deixado exausta. A pessoa em questão teve a infelicidade de relatar isso a fim de buscar sua tão sonhada medalha, aquela que coloca todas as mães no mesmo pé de igualdade. Embora não haja unidade do que seja uma mãe, como expliquei acima.
Afinal, mãe não é tudo igual. Há mãe que não colocam os filhos para dormir, não trocam fraldas. Há mães que trabalham duro para por comida na mesa (mas essa não seria a função do pai?).
Há mães em tempo integral que não cumprem a contento suas funções e há mães que não se dedicam exclusivamente aos filhos que fazem isso muito melhor. A mãe é antes de tudo uma mulher e se ela não é completa, se é falha, se tem interesses para além do filho é muito melhor, do que aquela mãe que se apagou enquanto mulher e que vive para os filhos, esses estarão em péssimos lençóis pois serão sempre devedores desse sagrado ofício, que é a tradução da palavras, sacrifício, ao qual se remetem as mães no seu direcionamento exclusivo à maternidade.
Voltando ao evento do mundo virtual, o que se viu nos comentários foi uma série de julgamentos. A exausta mãe atirou na busca por empatia, afinal isso converte nas redes sociais em “likes”, mas acertou em um recalque importantíssimo do universo materno que é a inveja.
Sim, as mães são seres invejosos. Não há altruísmo na maternidade. Todo nascimento é uma aposta narcísica. Ou seja não se tem filhos pelo amor, como ainda as pessoas mais inadvertidas pensem, mais sim para garantir um pedaço de existência no mundo para sempre. É justamente por se ter a consciência da finitude que os casais em todo o mundo fabrica seus filhos.
Ter filhos é trabalho em tempo integral. O que eu mais escuto ao longo dos meus 20 anos de experiência é: por que não me falaram que seria assim! Infelizmente tem sido assim pois as famílias estão cada vez menores e com isso, a tão sonhada vila que cantam em verso e proza, ser necessária para se cuidar de uma criança, é reduzida a nada, o que alimenta os inúmeros índices de adoecimento mental das mães de crianças pequenas. É um dos absurdos da cultura essa afirmação que a mulher ao se tornar mãe deve ser a única cuidadora de seus filhos.
Ter filhos ou não tê-los, cuidar deles pessoalmente ou contar com ajuda? Cada família encontrará dentro da sua possiblidade, seu modo. Alguns com mais recursos, outros com menos. Não há medalhas, insisto.
Mas nunca vi, até o momento ninguém questionar quem são as mães de três dos filhos de um famoso jogador de futebol, por exemplo. Eles têm mãe ou foram gerados via barriga de aluguel? Ninguém sabe. Mas se uma mãe não esta disponível todos os dias para dormir com seu filho, e encaminha esse cuidado à outra pessoa que tem esse cuidado como ofício, aqui no Brasil, aí sim, é a treva.
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