Fabiana, eu fiquei estarrecida ao descobrir que o ato de expor os filhos na internet tem nome, é o sharenting que é um estrangeirismo, a fusão de duas palavras share (compartilhar) e parenting (paternidade/maternidade).
Eu imagino que quando você era criança suas fotos ficavam guardadas num álbum que, certamente, sua mãe mostrava às visitas e que, muitas vezes, te deixava constrangida. É muito difícil para a criança quando os pais falam sobre ela com outras pessoas que não sejam do círculo íntimo.
Sei muito bem sobre isso pois como analista que também atende crianças as vejo encolher quando os seus pais, ingenuamente, reportam suas particularidades a mim que sou uma estranha, num primeiro contato. Com não tomo a fala dos pais para pedagogizar a criança, buscando que ela “conserte” ou “adeque” o seu comportamento, logo nos tornamos cordiais uma com a outra.
Uma analista vai auxiliá-la na elaboração de conflitos que são estruturantes para todos os seres humanos, mas que, por algum motivo, podem estar provocando grande sofrimento. Trata-se de apoiar na passagem de alguém cuidado pelos pais, a alguém autônomo, que possa ter voz, que possa constituir um lugar singular na família.
Portanto, desde o primeiro momento, as crianças que recebo percebem que elas podem ser quem realmente são. Com suas dores e suas delícias, como nos legou Caetano em seus versos.
O que quero dizer é que, se você está preocupada com os limites, isso é um bom sinal. E, se escuta seu marido, melhor ainda. A imagem e a intimidade das crianças são questões que devem ser resguardadas pelos pais, pela família e pelo Estado.
Eu entendo que é bem difícil fazer isso em uma sociedade onde a criança é também objeto de consumo. É isso mesmo, e não se assombre com a minha afirmação. Muitas famílias, infelizmente, têm os filhos muito mais numa resposta às rivalizações que possuem com seus próprios pais, do que com o desejo genuíno de educar e se responsabilizar por uma criança.
Nessa competição geracional que busca a reparação infantil da criança que fora outrora, muitas jovens famílias extrapolam os limites, numa tentativa de garantir aos filhos tudo o que não tiveram. Mas o que não sabem, ou desejam escamotear, é que em se tratando da educação dos filhos, não há garantias.
Essa nova geração de famílias comercial de margarina é um indicativo disso, infelizmente. Lindos, perfeitos, bem alimentados, bem vestidos, e muito expostos. Excessivamente expostos. E faço aqui o “mea culpa” também, pois sou mãe e acho as façanhas do meu filho sensacionais, mas que nem sempre devem se tornar públicas.
Alguns leitores irão me dizer que perguntam aos filhos se podem postar uma foto. O que é ótimo, afinal, autorização do uso da imagem é uma das primeiras formas de se conhecer autônomo na relação com o outro. Daí eu devolvo a pergunta: Seu filho tem maturidade necessária para entender o alcance que esse “novo álbum de família público” irá tomar?
Essa semana uma paciente, que é vivaz, inteligente, espontânea e tem 11 anos, me conta o seguinte sonho. Estava no meio de um círculo de estranhos que riam e zombavam. Ela recorta que havia muitas luzes piscando e que ela estava nua. E o quanto aquilo a angustiava.
Sonhos de angústia são esperados na passagem da infância para a adolescência. E estar nu é estar completamente vulnerável. Será que não estaríamos, ao expor nossas crianças, numa “mostração” de como temos bons frutos, vulnerabilizando seus psiquismos? Como diz uma querida e prudente amiga: “menos selfies e mais real lives”. E os limites, minha cara, começam dos pais para os filhos, e não o contrário.
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