A agressão contra a árbitra Marcielly Neto, ocorrida no último domingo (10), revela uma face da violência contra mulheres ainda pouco debatida no Brasil: a violência de gênero no ambiente de trabalho. O avanço que vemos em relação à violência de gênero no espaço doméstico em razão da Lei Maria da Penha ainda não chegou aos ambientes laborais. Por essa razão, alguns juristas já vêm aventando a possibilidade de se utilizar os critérios definidores dos tipos de violência da lei para a esfera do trabalho também.
Noticiou-se na semana passada que o presidente do TST, o ministro Emmanoel Pereira, pretende pedir pessoalmente ao presidente da República que ratifique a Convenção 190/2019 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata justamente do tema da violência e assédio no ambiente de trabalho. O Brasil é um dos países que ainda não ratificaram a Convenção, que é o primeiro tratado internacional sobre o tema da violência de gênero na esfera laboral.
A violência de gênero é um dos pontos de destaque da Convenção e da sua Recomendação 206, ambas da OIT. Os documentos têm o objetivo de, para além de punir com sanções penais, propor medidas concretas para um ambiente mais saudável para as mulheres no trabalho. Isso porque as mulheres acabam sendo as pessoas mais afetadas por estruturas patriarcais arraigadas por muito tempo à esfera trabalhista em países como o Brasil.
É notório que o Brasil é um dos países do mundo onde mais se comete violência contra mulheres, e essa violência não acontece só nos ambientes domésticos. A agressão contra Marcielly Neto é justamente uma demonstração dos tipos violências cotidianas que sofrem as mulheres no exercício das mais variadas profissões.
Aqui, no caso da árbitra, o técnico da Desportiva não só a agrediu usando da violência física, como a ameaçou com um processo judicial por difamação e injúria caso ela apresentasse a notícia do crime perante às autoridades policiais, por meio de um boletim de ocorrência. Vejam bem, ele quer impedir que ela exerça o seu justo direito de denunciar um crime.
Esse não é um fato isolado e nem deve causar surpresa às mulheres que saem todos os dias de casa para trabalhar. Por força de uma divisão injusta do trabalho na sociedade brasileira, as mulheres historicamente vêm exercendo funções consideradas menos importantes no mundo do trabalho. Quando elas então, como Marcielly, ousam exercer uma função que culturalmente se entende ser uma função masculina acabam sofrendo com a violência.
Lembremos que deve ser considerado, para fins comparativos, que a violência de gênero, como a define a Lei Maria da Penha, não é só física, ela é psicológica, financeira, moral e sexual. No ambiente do trabalho, mesmo que a Lei Maria da Penha não se aplique diretamente, há de se considerar que, além dos crimes cometidos contra Marcielly, a conduta do agressor representa também uma violência bem específica que é a psicológica.
Se pararmos para pensar que a maioria das pessoas passa a maior parte do seu tempo de vida em um ambiente de trabalho, fica fácil imaginar como é terrível ter que conviver com agressões em razão do seu gênero durante todo o expediente. Essa é a situação real da vida de milhares de mulheres no Brasil, que além de conviver com a violência doméstica, quando chegam ao trabalho enfrentam preconceito, discriminação e outras condutas que podem muito bem ser configuradas como violência.
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É por isso que a OIT e muitas pessoas que defendem os direitos das mulheres vêm insistindo para que o Brasil ratifique imediatamente a Convenção 190/2019 da OIT, adotando também a Recomendação 206, para que, além de punir criminalmente a violência física contra mulheres no Brasil, possam ser adotadas medidas concretas visando à educação para a redução da violência de gênero na esfera do trabalho.
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