Professora da Ufes, coordenadora da Cátedra Sérgio Vieira de Mello ACNUR/ONU para refugiados e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ufes

Como o afeto e as emoções passaram a ser decisivos para a política

Novas abordagens da filosofia política oferecem perspectivas alternativas e insights sobre como as relações políticas são construídas e mantidas

Publicado em 24/07/2024 às 01h30

A teoria dos afetos políticos vem ganhando cada vez mais destaque nos estudos de filosofia política. Essa abordagem busca compreender as emoções e sentimentos presentes nas relações políticas e como eles influenciam os indivíduos e a sociedade como um todo.

Diferentemente das teorias tradicionais, que se preocupam principalmente com questões racionais e objetivas, a teoria dos afetos políticos considera as emoções como elementos fundamentais para a compreensão do comportamento político. Segundo essa perspectiva, as emoções têm o poder de motivar a ação política, moldar as relações de poder e influenciar as decisões políticas.

Alguns filósofos e estudiosos argumentam que os afetos políticos desempenham um papel importante na formação da identidade política dos indivíduos, influenciando suas crenças, valores e atitudes em relação ao mundo político. Essas emoções podem variar desde a esperança e a empatia até o medo e a raiva, e todas elas têm o potencial de mobilizar os cidadãos para a ação política.

Além disso, a teoria dos afetos políticos também enfatiza a importância das emoções no processo de tomada de decisões políticas. Estudos mostram que as emoções têm o poder de influenciar as escolhas dos indivíduos, muitas vezes de forma mais significativa do que a razão. Portanto, compreender como as emoções políticas são formadas e como elas impactam as escolhas políticas é essencial para uma análise mais completa e precisa do cenário político.

A filósofa Martha Nussbaum, que é conhecida por sua extensa pesquisa e análise sobre questões políticas e sociais, traz em seu livro mais recente, sobre o amor na política ("Political Emotions: Why Love Matters for Justice"), uma visão profunda e perspicaz sobre como o amor pode ser uma força transformadora e essencial para a democracia.

Nussbaum argumenta que o amor é muitas vezes negligenciado na política, visto como uma emoção fraca ou desnecessária. No entanto, ela sustenta que o amor pode ser uma força poderosa para promover a justiça, a compaixão e a igualdade na sociedade. Ao invés de ser uma emoção puramente individualista, Nussbaum defende que o amor pode ser uma força motivadora para a ação política e a busca de um bem comum.

Nussbaum também explora como diferentes formas de amor, como o amor romântico, o amor fraternal e o amor filial, podem influenciar as relações políticas e sociais. Ela destaca a importância de cultivar um amor abrangente e universal, que reconheça a humanidade e a dignidade de todos os indivíduos, independentemente de sua origem ou status social.

Política, emoção, afeto
Emoções na atuação política. Crédito: Pixabay

Diferentemente do que é preconizado por teorias liberais, que exigem que o agir político seja pautado por uma pseudoneutralidade, a teoria das emoções políticas demonstra que o agir humano é na maioria das vezes pautado em emoções como o amor e o ódio.

Tomemos como exemplo um cidadão que, após dias passando fome, demonstre seu inconformismo quebrando um vidro de um prédio público, sem que isso configure ameaça ou violência física contra uma outra pessoa, mas simplesmente a demonstração de uma emoção decorrente do estado de privação de alimentos.

O agente público que representa o Estado diante de uma situação como essa, especialmente em países do sul global onde a fome convive lado a lado com o desperdício de alimentos, não deve recorrer ao sistema penal para retirar a liberdade da pessoa faminta, mas sim à estrutura de seguridade social para a solução da questão relativa à insegurança alimentar. O agir com compaixão, empatia e solidariedade evitaria toda forma de violência e criminalização do agir humano.

É preciso que se entenda as emoções que pautam e afetam o agir humano, sem criminalizar o ato mais humano de todos: o expressar de uma emoção no plano político. Imaginemos que todas as vezes que um cidadão expressa sua emoção na esfera pública ele seja criminalizado, estaríamos assim proibindo o próprio existir, desumanizando as relações.

Ao abordar o amor na política, Nussbaum levanta questões, como a trazida pelo exemplo da fome acima narrado, que são importantes para podermos construir sociedades mais justas e inclusivas. Ela desafia os políticos e líderes a considerar o papel do amor em suas decisões e políticas, e a priorizar a empatia, a compaixão e a solidariedade em suas ações.

Assim, ao considerar as emoções como elementos centrais na vida política, novas abordagens da filosofia política oferecem perspectivas alternativas e insights sobre como as relações políticas são construídas e mantidas, fornecendo uma visão mais completa e holística do funcionamento do poder e da política.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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