Quase três meses em isolamento. Lá fora o pânico de contaminação, tantas informações desencontradas que a insegurança nos envolve. Nossos filhos já não têm mais o que fazer. Utilizamos toda nossa criatividade. Fizemos coisas juntos que nunca pensaríamos em fazer. Aliás, passamos a conhecer mais nossos filhos. Também passamos a dar valor ao que é, realmente, essencial e descobrimos que podemos ficar sem comprar tantas coisas desnecessárias.
No início, uma adaptação, um misto de férias com trabalho em casa. E os casais? Assistimos a filmes juntinhos, deixamos a mão boba rolar por baixo do lençol, regredimos à adolescência, quando íamos à casa da namorada, com os pais dela sempre de olho. Fugimos para fazer amor no quarto, dizendo aos filhos que “iríamos dormir e não queremos ser importunados”. Algumas vezes deram certo. Outras, a briga entre irmãos, o barulho e a certeza que no dia seguinte teremos tempo acaba fazendo com que nos afastemos devagar, sem perceber e, quando percebemos, passaram-se semanas. Não há casas de avós e de amiguinhos para deixar os filhos. Temos todo o tempo do mundo e não temos nenhum.
Para se ter desejo tem que ter falta. Falta de quê? Desejar como? Se nos esbarramos a cada segundo? Se nos irritamos com rotina? Se brigamos por coisas pequenas? O encontro fica difícil e o desejo vai sendo jogado pra debaixo do tapete, e a falta disfarçada em Netflix, séries, jogos na internet, conversas no whatsApp. Sentimos uma coisa estranha e nem sabemos o quê. Uma solidão, uma ausência de nós.
Falta toque, falta olhar nos olhos com interesse de amante, falta falar baixinho, falta suspirar na orelha, falta dedilhar pelo corpo, lendo em braile os suspiros e sensações. Falta querer dar amor, falta compartilhar o prazer. Temos tantas faltas distraídas que o desejo sexual míngua. A falta de estímulos externos, atividade física, desafios e competição vão nos deixando indolentes e preguiçosos até para fazer amor, até para buscar nossos orgasmos.
Claro que não dá pra generalizar. O sexo virtual está apimentando algumas relações e muitos casais estão felizes com o tempo para os dois, para a família... Novos amores estão nascendo, novos casamentos estão se refazendo na sala de jantar. Tudo passa! A Covid-19, o tédio... Mas o desejo, ah, esse não passa, está dentro de nós o tempo todo. Basta descobrirmos, aceitarmos.
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