O Brasil virou uma estufa e está em chamas, sufocado pela fumaça dos incêndios florestais e vivendo uma das piores secas da História. E isso no ano em que as chuvas destruíram o Rio Grande do Sul. Tudo ao mesmo tempo, em uma tragédia perfeita.
É preciso olhar o conjunto de eventos no Brasil e no mundo para compreender a gravidade e urgência do quadro, e não cada um isoladamente.
O ano de 2023 foi o mais quente da Terra desde 1850 e 2024 poderá superá-lo. No Brasil o que ocorre é similar. O aumento de temperatura em alguns estados deverá ser de 5ºC, e em outros, como o Espírito Santo, entre 3ºC e 5ºC.
A seca é a mais severa já registrada, afetando 55% da área do país. Na Amazônia, a redução da vazão dos rios fez com que cidades, vilas e aldeias ficassem isoladas. No Centro-Oeste e Sudeste, a seca reduziu a vazão dos rios, ameaçando o abastecimento d’água. No Espírito Santo, os cinco rios que abastecem as suas diversas regiões tiveram redução de 20 a 30% da vazão histórica, levando o governo a decretar situação de emergência.
O calor e a seca estão na raiz dos incêndios florestais. Cerca de 160 mil focos foram registrados desde o início do ano, destruindo uma área equivalente a 2,5 vezes à do Espírito Santo, afetando severamente nossos mais importantes biomas, como a Floresta Amazônica e o Pantanal que, segundo a ministra Marina Silva, pode ser extinto até o fim do século. O Espírito Santo também foi atingido, com o aumento de 73% dos incêndios em áreas de vegetação nativa e a interdição total da BR 101 no Norte.
Sem ser convidada, a fumaça dos incêndios cobriu 60% dos nossos campos e cidades, afetando milhões de pessoas. São Paulo chegou a ficar na condição de cidade mais poluída do mundo. Em algumas áreas do Espírito Santo, o céu foi encoberto por uma névoa que pareceu deixar o sol mais "fraco".
Todos esses eventos provocaram não só perdas de produtividade significativas do agronegócio, como estimularam o protecionismo de outros países, prevendo-se, por exemplo, a redução de um terço das exportações para a União Europeia – cerca de US$ 15 bilhões este ano, podendo ser o início de um grave impacto na nossa economia.
Nenhum desses eventos simultâneos ocorreu por acaso, com exceção dos incêndios em SP, de autoria do crime organizado, e de diversos incêndios na Amazônia, causados por outro tipo de criminosos, os desmatadores ilegais. Foram eventos que se retroalimentaram e seguiram um padrão similar ao de diversos outros continentes, da forma como foram previstos nos modelos climáticos do Painel Internacional de Mudanças Climáticas da ONU.
Segundo Friederike Otto, cientista do Imperial College London, os eventos no Brasil e na América do Sul deveram-se à combinação das mudanças climáticas com o fenômeno natural El Niño, e as mudanças climáticas podem ampliar os efeitos tanto do El Niño como da La Niña, com efeitos mais severos e imprevisíveis.
Há um mito – falso – de que os sapos morreriam se colocados em uma panela de água fria posta para ferver por se adaptarem, mas pulariam fora se jogados em uma fervura. A sociedade vem se comportando como o sapo do mito, reagindo a grandes desastres súbitos, mas sem a urgência necessária quando a mudança é gradual, como o aquecimento global, parecendo cega pela crença de que a ciência a salvará, mas se fazendo de surda ao que ela agora diz.
Não sou catastrofista, e não espero que aconteça o pior em relação às mudanças climáticas. A espécie humana tem o mesmo senso de sobrevivência dos indivíduos, e empurrada pelos fatos em algum momento agirá. Talvez não com a urgência necessária para evitar grandes impactos, mas para que os piores cenários não aconteçam. Para evitar isso, as medidas de adaptação – além das de mitigação – são mais do que nunca necessárias.
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