Cássia Clésio é advogada especializada em planejamento imobiliário e traz, quinzenalmente, temas ligados ao dia a dia de quem está pensando em comprar, vender, construir, regularizar, investir ou alugar um imóvel.

Tombamento de prédios históricos: preservação cultural ou obstáculo ao desenvolvimento?

Após análise da relevância social de determinado bem, seja móvel, seja imóvel, o tombamento é constituído para preservar a importância histórica dele a partir do interesse público

Publicado em 03/12/2024 às 17h04
Solar do Lagarto, em Muqui, é um dos imóveis tombados do Sítio Histórico
Solar do Lagarto, em Muqui, é um dos imóveis tombados do Sítio Histórico . Crédito: Matheus Martins/TV Gazeta Sul

Segundo o art. 216 da Constituição Federal (CRFB/88), o patrimônio cultural brasileiro é constituído por “bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.

Com efeito, o tombamento é um ato restritivo da propriedade realizado pelo órgão do patrimônio do poder público federal, estadual ou municipal que visa à proteção de um bem através do reconhecimento do valor cultural, histórico, estético e arquitetônico, evitando-se, assim, que ele seja destruído ou alterado.

A origem do tombamento remonta ao século XIV, quando, em terras europeias, o Dom Fernando usou a palavra para designar o Arquivo Nacional de Portugal, conhecido como a Torre do Tombo, onde os registros públicos eram feitos nos Livros do Tombo.

Em âmbito brasileiro, este instituto passou a ser formalmente regido pelo Decreto n° 25 de 1937 (DL n° 25/37), que prevê o tombamento de bem nacional ou estrangeiro (art. 3°) manifestado por meio de algumas classificações:

  • Provisório como medida preventiva - que pode ser originária de atuação do Poder Legislativo - iniciada com a notificação do proprietário e anterior ao Definitivo, quando o processo de tombamento - necessariamente fruto do Decreto do Poder Executivo - é consumado com a inscrição no Livro do Tombo e averbação no registro (art. 10);
  • Voluntário, quando o proprietário realiza o requerimento de tombamento do próprio bem ou quando ele concorda que a Administração Pública tombe o próprio bem (art. 6°); Compulsório  quando o proprietário recusa que a coisa seja tombada e o poder público impõe o tombamento (art. 8°); e De ofício quando se trata de bens públicos tombados pela União, Estados ou Municípios sem que exista uma hierarquia para que isso ocorra, sendo possível que um mesmo bem seja objeto de tombamento de 2 (dois) ou 3 (três) desses entes federativos (art. 5°);
  • Total, quando não se pode mudar um azulejo sequer sem autorização da Administração Pública, ou Parcial, quando a fachada deve permanecer inalterada (art. 17), por exemplo;
  • Ainda existem o Individual, quando o tombamento recai sobre um único bem determinado, e o Geral, quando ele  recai sobre um conjunto de bens, como bairro ou cidade.

Vale ressaltar que o tombamento não dá ao proprietário direito à indenização, salvo nas situações em que o uso do bem é comprometido, resultando em dano a ele. Além disso, o tombamento possui caráter perpétuo por não possuir prazo determinado, a menos que o poder público o revogue ou então se o bem protegido perecer.

No que tange ao objeto do tombamento, eles podem ser: fotografias, produções literárias, pinturas, construções, ruas, praças e florestas.

Para facilitar a visualização, vale expor alguns bens imóveis que são tombados no Rio de Janeiro: o Palácio da Cidade, o Teatro Carlos Gomes e o Copacabana Palace; já no Espírito Santos existem o Convento de Nossa Senhora da Penha, a Residência Augusto Ruschi e a Fábrica de Pios de Caça “Maurílio Coelho”.

Na prática, quanto ao imóvel, o bem é tombado após um processo administrativo cuja última etapa consiste na averbação na matrícula junto ao registro imobiliário. Esta formalização é importante para o fim de publicidade, permitindo-se que todos que tenham acesso ao histórico do imóvel saibam da existência do tombamento.

Ainda, se após autorização para alienar o bem cuja averbação do tombamento não foi feita junto ao Registro Geral de Imóveis o novo proprietário descobrir que o imóvel é tombado, ele pode ter direito a uma indenização.

No que concerne aos efeitos do tombamento na alienação do imóvel, ela pode ocorrer com bem particular por meio (i) da livre iniciativa, com a possibilidade de venda a quem quiser, ou (ii) da alienação judicial, quando o particular não conseguiu adimplir uma dívida e o juiz determina a venda do imóvel para quitar o saldo, ocasião na qual a União, o Estado e o Município têm que ser informados com 5 (cinco) dias de antecedência para se manifestarem caso tenham interesse, com base no art. 889, VIII, do Código de Processo Civil (CPC).

Se for haver o leilão do imóvel, esses entes federativos têm o direito de preferência, conforme a ordem explicitada, para realizar a arrematação antes de qualquer outro potencial comprador (art. 892, §3º, do CPC).

Quando a alienação é de bem imóvel público que fora tombado, ela apenas pode ocorrer entre os entes federativos, segundo o caput do art. 11 do DL n° 25/37, que expõe que “as coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma à outra das referidas entidades”.

No contexto das vantagens, o tombamento é atrativo para o turismo e fomenta a economia local. Em contrapartida, algumas desvantagens são: as limitações legais para reformas, adaptações e novos usos desses imóveis (art. 17, caput, do DL n° 25/37):

Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinquenta por cento do dano causado.

Essas restrições para uso do imóvel tombado, muitas vezes, entram em conflito com o crescimento urbano e os interesses de modernização por destacarem, por exemplo, a necessidade da prévia autorização e a impossibilidade dos vizinhos realizarem modificações nas respectivas propriedades de modo que impeçam o acesso ou a visão do imóvel tombado (art. 18 do DL n° 25/37).

Além dessas, ainda que a propriedade não seja alterada, o tombamento impõe as seguintes restrições de:

  • Fazer: o proprietário é obrigado a conservar o bem tombado; se ele não tiver recurso financeiro deve informar ao poder público;
  • Não fazer: o proprietário não pode destruir ou alterar a estrutura do bem de modo que impacte o interesse público nele; é preciso que o proprietário tenha uma licença para construir e reformar concedida pelo poder público e uma autorização especial;
  • Tolerar: o proprietário tem que suportar a constante fiscalização do poder público ao bem tombado.

Sendo assim, embora o tombamento possua benefícios, ele também detém dificuldades, que, se abordadas corretamente, viabilizarão o equilíbrio da necessidade de preservar a história e a busca por desenvolvimento e inovação nas cidades.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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