Pós-doutora em Saúde Coletiva (UFRJ), doutora em Bioética (UnB), mestre em Direito (FDV) e coordenadora do doutorado em Direito da FDV

Frágil corpo destinado à morte a abrigar nosso espírito destinado à eternidade

No tempo presente, carregado de tantas dores, sofrimentos, perdas, impotências e fragilidades, a presença da morte e a consciência da finitude têm se feito cada vez mais constantes a provocar nossa consciência

Publicado em 11/01/2022 às 02h00
Hospital
A doença e a morte se apresentam, enfim, como um rasgo em nossa imagem narcísica. . Crédito: Pixabay

Nada é mais real e concreto do que nossa frágil condição humana. Somos seres destinados ao fim em nossa existência terrena. Caminhamos todos, inexoravelmente, para o encontro com a morte, lugar de todo despojo, onde nada mais terá significado, importância, valor, estima, desejos ou disputas.

Ao final, todos nós alcançaremos, para nossos corpos, a igualdade tão sonhada em vida. Nem mesmo os rituais sofisticados e caros com os quais os mais bem aquinhoados costumam ser homenageados nesse momento de passagem fazem qualquer diferença para aquele que parte.

O local de descanso eterno do corpo pouco importa para quem se despede. No mais das vezes, satisfaz, tão somente, a convenções sociais e às exigências ritualísticas entranhadas em nossa cultura. Ritos necessários à despedida e que compõem o luto da separação eterna. Ritos de passagem necessários à constituição de nossas memórias.

A doença e a morte se apresentam, enfim, como um rasgo em nossa imagem narcísica. Vivemos a ilusão de um corpo que controlamos a partir de uma mente com “tecnologia” altamente sofisticada e capaz de se renovar a cada dia. Nossa capacidade de pensar, projetar o futuro, sonhar com a realização de nossos desejos, nos faz acreditar que somos imortais, potentes, capazes de vencer aquilo que a todos faz sucumbir.

Malhamos o corpo nas academias, andamos, corremos, trabalhamos à exaustão, imaginando os bens a serem adquiridos que nos darão segurança e conforto no futuro. Nos alimentamos, amamos, nos utilizamos do corpo como uma máquina indestrutível.

A doença e a morte só parecem se fazer como possibilidade pessoal, concretas em nossa existência, quando chegam àqueles aos quais amamos ou a nós mesmos.

A partir daí, vulneráveis, decepcionados, assustados, entristecidos e atônitos, passamos a nos lembrar que o corpo que tanto valorizamos, objeto de nossos desejos de perfeição, nada mais é do que a morada terrena a abrigar nosso espírito, este sim destinado à eternidade.

No tempo presente, carregado de tantas dores, sofrimentos, perdas, impotências e fragilidades, a presença da morte e a consciência da finitude têm se feito cada vez mais constantes a provocar nossa consciência, nos lembrando de que o fim se aproxima e de que nada vale lutar insistentemente em disputas por ocupação de espaços com nossos semelhantes.

A solidariedade, virtude a ser praticada, agora mais do que nunca, e princípio constitucional a ser efetivado na triste realidade que se nos impõe a pandemia, pode ser nosso exercício maior de reflexão acerca da finitude do corpo, da eternidade do espírito e das razões pelas quais nosso corpo nos leva a passear na terra.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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