Doutora em Epidemiologia (UERJ). Pós-doutora em Epidemiologia (Johns Hopkins University). Professora Titular da Ufes. Aborda nesta coluna a relação entre saúde, ciência e contemporaneidade

O que aprendemos com a pandemia e o que fizemos no Ministério da Saúde

Digo isso aqui, no retorno desta coluna, para que uma pequena amostra do que foi construído possa chegar até vocês. Todas essas ações estruturantes que outrora eu apontava foram realizadas

Publicado em 20/03/2025 às 04h30

Retomo esta coluna, após dois anos atuando no Ministério da Saúde à frente da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, com uma frase que foi por muito tempo meu sonho: “Nos tempos da pandemia, o que aprendemos?”

Naquele 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretava a Covid-19 como uma pandemia e um turbilhão de acontecimentos se abateu sobre nós, misturando isolamento social, aceleração virtual e a petrificação da solidão. Agora, completamos cinco anos daquele fatídico dia e, em meio a alguns acertos e muitos erros, estamos mais perto de uma próxima pandemia. E a pergunta que fica é: estamos mais preparados?

Nos tempos mais duros da pandemia, estive aqui regularmente neste espaço, informando, debatendo e lutando para que a ciência fosse ouvida e, mais que isso, pudesse ser colocada em prática. Quiseram o destino, os astros, a fortuna, a espiritualidade ou, como você acredite, que justamente eu tenha sido chamada para colaborar com o país em uma nova fase de construção pós-pandêmica.

Por isso, hoje, esta coluna vai lançar um olhar para o futuro e para o caminho pavimentado até aqui. Não falarei dos erros e acertos, pois já me detive muito neles. Falarei como, na base dos escombros encontrados, começamos a pavimentar a retomada para um programa robusto de preparação, vigilância e respostas às emergências em saúde pública.

Nesses últimos dois anos, com a liderança da primeira mulher como ministra da Saúde do país, iniciamos uma verdadeira saga para recuperar o tempo perdido. As políticas públicas de saúde no Brasil são pactuadas nos três níveis da gestão, cabendo ao Ministério da Saúde a coordenação nacional das políticas de saúde, enquanto estados e municípios pactuam e adaptam essas diretrizes para seus cenários regionais, levando em conta suas dimensões geográficas e socioeconômicas. Durante a pandemia da Covid-19, pela primeira vez na história democrática, vimos a quebra dessa estruturação.

Com o retorno do ente federal assumindo novamente o enfrentamento das emergências, uma série de ações tiveram que ser colocadas em prática. Estruturamos o Departamento de Emergências em Saúde Pública (DEMSP), na Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA) do Ministério da Saúde e contratamos profissionais que ficaram vinculados a estados e municípios com ações de Formação em Emergências em Saúde Pública.

Realizamos Oficinas de Preparação, Vigilância e Resposta às Emergências em Saúde Pública em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal, qualificando mais de 4 mil profissionais de saúde para identificar e responder com maior efetividade às emergências; pois sem profissionais habilitados para essas ações de forma descentralizada nosso tempo de resposta fica mais lento.

Soma-se a isso o lançamento de novos cursos que ajudaram a criar um arcabouço de trilha formativa para profissionais de saúde que incluem desde o curso básico da Rede de Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS) até cursos avançados para gestores, utilizando modelos consagrados no mundo, como uma metodologia do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos.

Ao entender que uma melhor reposta às emergências em saúde envolve também preparar nossos vizinhos, principalmente aqueles com os quais temos fronteiras, esses cursos também foram traduzidos para inglês e espanhol, e ofertados para outros países, incluindo também a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Por essas ações, o Brasil foi reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), em 2024, como Centro Colaborador da Organização para Treinamento em Emergências de Saúde Pública, um reconhecimento das capacidades que construímos.

Além disso, junto à OMS, passamos em 2023 a integrar a Rede Global de Alerta e Resposta a Surtos (GOARN). Essa ação potencializa a rápida e coordenada resposta a surtos de doenças infecciosas e epidemias em todo o mundo. E de forma inédita, o Brasil abriu suas portas para uma avaliação externa da OMS, como parte do Regulamento Sanitário Internacional (RSI), e avaliadores de diversos países estiveram aqui e analisaram todos os pontos do RSI, dentre outros: nossa vigilância em portos, aeroportos, as análises de novos agentes infecciosos pelos laboratórios de saúde pública de várias partes do Brasil

Foi também constituído um Grupo de Trabalho para revisar todos os documentos e leis do país para o enfrentamento de emergências, além do GT Pandemias, criando por portaria ministerial em setembro de 2023, que vem elaborando um plano estratégico para prevenção, preparação e resposta às pandemias.

Mas para uma resposta consistente aos agentes infecciosos é preciso um Programa Nacional de Imunizações comprometido com novas incorporações científicas, para estar à frente de possíveis modificações genéticas dos agentes infecciosos. E foi o que fizemos, rodamos o Brasil com o Movimento Nacional pela Vacinação, o nosso Zé Gotinha ganhou por dois anos consecutivos o prêmio Ibest de persona online no Brasil.

Zé Gotinha e Ethel Maciel, secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde
Zé Gotinha e Ethel Maciel, então secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde. Crédito: Divulgação / Ministério da Saúde

Recuperamos o certificado de país livre do Sarampo, ampliamos as coberturas vacinais de 15 das 16 vacinas do calendário infantil e lançamos um painel inédito para acompanhamento dos estoques de vacina. Lutamos ainda contra o negacionismo, refletimos e mostramos para a sociedade sobre a desinformação com o Programa Saúde com Ciência.

Incorporamos o antiviral e a vacina contra Covid-19 no calendário vacinal e chegamos a menor série histórica de casos e mortes pela doença. Também reativamos a pesquisa Epicovid, o maior inquérito epidemiológico do mundo, dessa vez, para entender os efeitos da Covid a médio e longo prazo .

Houve o fortalecimento de toda a rede de laboratórios de saúde pública com a inclusão no Programa de Aceleração do Crescimento pela primeira vez. Também criamos em 2024 o Centro Nacional de Inteligência Epidemiológica e Vigilância Genômica, estando, agora, o Brasil muito mais preparado para monitorar agentes infecciosos que circulam no território nacional.

Assim, revendo a coluna no marco dos dois anos da pandemia – “Covid-19: em dois anos, nossos erros e acertos” – escrevi exatamente o que julgava que o país precisava e reproduzo a seguir:

“Ainda não sabemos como e quando a pandemia terá seu decreto revogado pela OMS, entidade que tem a prerrogativa de fazê-lo. Primeiro, precisamos definir um consenso internacional de consultores dos países membros que pesquisam a pandemia: quais seriam os níveis aceitáveis de casos e óbitos de Covid-19 para podermos mudar de fase e decretarmos endemia. Segundo, precisamos ter aqui no Brasil a incorporação, no SUS, de medicamentos efetivos para salvar vidas daqueles mais vulneráveis, que mesmo vacinados podem apresentar doenças graves. Até agora, esses antivirais e anticorpos monoclonais já foram descobertos pela ciência. Terceiro, precisamos definir como a vacinação de Covid-19 se incorpora ao nosso calendário de vacinação. Será um reforço anual, semestral? Apenas para os vulneráveis ou para todos? Por fim, precisamos seguir monitorando o vírus e entendendo como ele evoluirá em suas mutações, para isso a vigilância genômica como parte da vigilância epidemiológica forte e consolidada nos municípios é tarefa dos nossos gestores”

Digo isso aqui, no retorno desta coluna, para que uma pequena amostra do que foi construído possa chegar até vocês. Todas essas ações estruturantes que outrora eu apontava foram realizadas. Elas não aparecem de imediato, não têm placa de inauguração ou grande propaganda sobre elas, mas sem elas estaríamos muito mais desprotegidos. Assim, posso dizer, como capixaba, que esse nosso pequeno estado da federação, que muito nos orgulha, que retorno a este espaço tendo a certeza de que cumpri minha missão de contribuir com uma equipe extremamente qualificada para a preparação de um país que esteja à altura dos desafios que ainda virão.

Ainda há muito trabalho e ainda estamos aqui.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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