“Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.
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— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não.
A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.”
Poema Pneumotórax de Manuel Bandeira
Em 24 de março, celebra-se o Dia Mundial da Luta contra a Tuberculose. Uma doença que há milênios convive com a humanidade. Desde o século XX, a vacina e os medicamentos chamados de antituberculostáticos, graças à ciência, fazem parte da luta contra essa doença.
Manuel Bandeira, como ninguém, soube expressar as dificuldades enfrentadas por aqueles diagnosticados com essa doença. Tomo, por isso, emprestado o seu belo poema para retratar como as pessoas com tuberculose viviam a sua experiência de doença antes que a ciência pudesse ter uma vacina ou os medicamentos para tratar essa doença. No poema pneumotórax, ele reproduz o principal sintoma dessa doença, a tosse. A tosse persistente.
No poema, um médico faz o seu exame e dá então um diagnóstico. Um diagnóstico sem esperança. Quando pergunta ao médico se é possível fazer um procedimento chamado pneumotórax que, naquela época, no início do século XX, ainda era bastante realizado. A resposta é: não. Uma resposta seca. De um diagnóstico, na grande maioria dos casos, fatal.
No caso de uma doença transmitida por via aérea, havia ainda um grande desafio: a necessidade de isolamento. Muitas pessoas com tuberculose precisavam passar o resto da vida afastadas de seus entes queridos, vivendo em sanatórios criados especificamente para seu tratamento. Essa era a triste história da doença, retratada em músicas, versos e livros, a qual foi a de tantos que viveram antes das descobertas científicas.
Hoje, a tuberculose tem um tratamento que dura em média seis meses. Com vários medicamentos. Mas, graças também às descobertas científicas, hoje os comprimidos podem ser tomados em doses combinadas, então, ao invés de uma pessoa tomar muitos comprimidos, você tem em um mesmo comprimido uma combinação de medicamentos. O que já representa um avanço.
Também contamos com a vacina BCG, que completou 100 anos. Além disso, diversos grupos de pesquisa ao redor do mundo estão buscando desenvolver uma vacina mais eficaz. Esperamos que, nos próximos anos, esses estudos avancem, inclusive no Brasil, permitindo a criação de uma nova vacina com maior efetividade, que possa ser incorporada ao nosso Sistema Único de Saúde (SUS).
Nos últimos anos, a grande inovação foi a incorporação de um tratamento encurtado para pessoas que se infectam com o Mycobacterium tuberculosis, bacilo que causa a Tuberculose. Esse medicamento, que deve ser utilizado por 3 meses, pode impedir a progressão da infecção para a doença. E, com isso, diminuir os números de pessoas acometidas pela tuberculose no Brasil. De 2018 a 2024, mais de 200 mil pessoas fazem uso desse tratamento preventivo no Brasil. O novo tratamento encurtado de três meses foi incorporado em 2023 e já representa 60% dos tratamentos preventivos.
Além disso, um novo estudo realizado em diversas regiões do mundo, inclusive aqui no Brasil, coordenado pela Universidade de Johns Hopkins, mostrou a possibilidade de esse tratamento ser ainda mais encurtado, agora para um mês. Esses dados serão discutidos com o Ministério da Saúde e certamente também poderão ser incorporados ainda este ano para impedir a progressão da infecção para a doença, o que será um avanço ainda maior.
Desde que assumi a presidência do Grupo Técnico Assessor para Tuberculose da Organização Mundial da Saúde (OMS), temos pautado as discussões em melhorar o acesso das pessoas com tuberculose em todos os locais do mundo às inovações científicas que possam melhorar suas vidas. No Brasil e em outros países, os fortes determinantes ligados às desigualdades sociais são fatores importantes para que justamente essas pessoas tenham menos acesso às inovações científicas.
Nessa área, o Brasil tem dado exemplo, através do SUS. Mostramos que é possível incorporar medicamentos que facilitem o tratamento, como foi o caso de medicamentos para tratar cepas resistentes. Um tratamento como esse poderia durar de 18 a 24 meses com drogas injetáveis e com bastante efeitos adversos. Conseguimos provar, com análises científicas de custo-efetividade, que era mais barato comprar medicamentos caros que reduziam o tempo de afastamento, de sequelas, necessidade de aposentadorias por incapacidade, se reduzíssemos o tempo do tratamento.

E o Brasil foi um dos primeiros países que, em 2023, passou a fornecer no SUS esses novos medicamentos de forma gratuita, todos por via oral, possibilitando assim a redução do tratamento de 18 para 6 meses, com ganhos significativos na qualidade de vida.
No Espírito Santo, uma importante iniciativa foi a criação na Ufes do Observatório da Tuberculose, com apoio do governo do Estado, através do Instituto Capixaba de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde (ICEPi). O ObservaTB tem por objetivo integrar as políticas de saúde e de assistência social para que as pessoas com tuberculose tenham acesso a benefícios de proteção social que as auxilie no diagnóstico e durante todo o tratamento, visando à cura da doença.
Isso mostra que política bem feita, usando a ciência, coloca a pessoa com a doença no centro das decisões e dá a ela outra alternativa: um tratamento digno e uma qualidade de vida para superar o desafio de sua doença. Algo bem diferente da única e fatal coisa a fazer, como no poema de Bandeira: “tocar um tango argentino”.
A ciência salva vidas e muda a história natural das doenças.
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