Em Epidemiologia de Doenças Infecciosas, aprendemos que ter um plano para preparação para pandemia (do inglês “pandemic preparedness planning”) é fundamental em um mundo globalizado, onde o tempo de chegada e espalhamento de um vírus pode ser apenas o tempo de um voo internacional.
A preparação para uma pandemia é um processo contínuo de planejamento, revisão e tradução dessas ações nos níveis nacionais e subnacionais. O plano é, portanto, um documento vivo que é revisado sempre que houver uma mudança na orientação global ou nas bases de evidências científicas e nas lições adquiridas com uma pandemia.
Estar preparado é o primeiro passo da resposta. Assim, aprendemos a identificar a ameaça, quem são os mais vulneráveis àquela ameaça, qual o risco (se leve, moderado ou elevado), a motivação existente para a resposta e, a partir disso, estabelecemos as ações possíveis. Quanto mais detalhado o plano de preparação para resposta à pandemia, melhor será nosso enfrentamento. Recursos adequados devem ser alocados para todos os aspectos de preparação e resposta à pandemia. Recursos: essa é a palavra-chave.
Recentemente, fomos alertados pela OMS de uma nova ameaça, o vírus da varíola de macaco (monkeypox). Em duas semanas, mais de 15 países informaram casos e o mais preocupante: fora do continente africano e sem ligação epidemiológica de viagem internacional à África, onde a doença é endêmica.
Nesse caso, o nosso planejamento para preparação da pandemia deveria ser imediatamente colocado em ação. Como sabemos, a contaminação pelo vírus da varíola do macaco se dá principalmente a partir do contato com sangue, fluidos corporais, lesões na pele ou membranas mucosas de animais infectados. A transmissão de um ser humano para outro é baixa, no entanto, os casos que estão sendo investigados foram de transmissão de uma pessoa para outra, o que indica alguma adaptação do vírus. A OMS avalia que são baixos os riscos de que ocorra uma disseminação parecida com a do Sars-Cov-2, o causador da atual pandemia de Covid-19. Mas a resposta precisa ser preparada, levando-se em consideração:
A ameaça: vírus da varíola do macaco
Quem são os mais vulneráveis: as pessoas mais suscetíveis seriam as que nasceram a partir de 1971, quando não havia mais vacinação em massa.
Nível de Risco: elevado
Motivação para a preparação: trânsito internacional para áreas de risco em regiões do continente africano e outros continentes com casos confirmados em humanos.
A partir disso, deve-se estabelecer as medidas não farmacológicas; medidas farmacológicas e a comunicação de risco. Aquelas medidas não farmacológicas, como uso de máscara, distanciamento físico e uso de álcool a 70%, também funcionam para esse caso da varíola dos macacos.
Em relação a medidas farmacológicas, temos vacinas contra a varíola. Ao que se sabe, a vacina contra a varíola humana tem uma boa resposta contra a varíola do macaco (como se os dois vírus fossem “primos”) o organismo da pessoa vacinada consegue reconhecer e combater. No entanto, a vacina parou de ser usada no Brasil a partir de 1971, quando a doença foi erradicada (palavra que significa que o mundo ficou livre da doença). Portanto, pessoas que nasceram após 1971 estariam mais vulneráveis a essa nova enfermidade. No Reino Unido, por exemplo, dado ao crescimento de casos, nas últimas semanas, as autoridades de saúde estão oferecendo a vacina contra varíola humana a profissionais de saúde, que são aqueles mais expostos neste momento.
A vacina contra a varíola não é produzida no Brasil. Atualmente, sua fabricação está restrita a uma única indústria na Europa. Recentemente, o FDA aprovou uma nova vacina que combina o vírus da varíola humana com a do macaco e protegeria contra as duas doenças, mas ela ainda não está disponível em larga escala.
No que cabe à comunicação de risco, é essencial manter a população informada. Os principais sintomas da varíola do macaco são: febre, dor no corpo e aparecimento de lesões na pele, semelhantes a bolhas de água, simétricas, assim como ínguas na região genital. Pessoas que tenham voltado de viagens internacionais e que apresentem esses sintomas devem procurar um serviço de saúde para investigação e notificação. Um serviço nos principais aeroportos, portos e fronteiras de entrada no Brasil deveria ser instituído.
Por fim, fazer a comunicação de risco, instituir medidas não farmacológicas e estar preparado com medidas farmacológicas é função de um governo que se preocupa com a saúde de seu povo. O pior que poderia nos acontecer é termos duas pandemias ao mesmo tempo. Em epidemiologia aprendemos que quando se trata de microrganismos infecciosos, o pior sempre pode acontecer. De nossa parte, precisamos estar preparados para responder as essas emergências de saúde pública. O vírus cumpre o papel dele, cabe a nós cumprirmos o nosso.
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