No dia 10 de outubro, o Santos anunciou o retorno do atacante Robinho ao clube. No pedestal de ídolo, o jogador foi celebrado por dirigentes, jogadores e torcedores. Contratação que deixou muito claro que a diretoria santista escolheu ignorar o fato de Robinho ter sido condenado, em primeira instância, a nove anos de prisão por violência sexual, na Itália, em 2017. Entretanto, após tomar ciência da transcrição de conversas de embrulhar o estômago na sentença, perder patrocinadores e se ver pressionada, a diretoria anunciou na noite desta sexta-feira (16), que suspendeu o contrato do atleta após entrarem em comum acordo.
Mas há de se destacar que a suspensão de contrato aconteceu para preservar o jogador. Em nenhum momento, o Santos se mostrou preocupado com o impacto da contratação na sociedade ou nas mulheres que se sentiram desrespeitadas ao ver tal oportunidade ser oferecida ao atleta envolvido em uma ação que já resultou em uma condenação. "O Santos Futebol Clube e o atleta Robinho informam que, em comum acordo, resolveram suspender a validade do contrato firmado no último dia 10 de outubro para que o jogador possa se concentrar exclusivamente na sua defesa no processo que corre na Itália", relata a nota oficial, que em nenhum momento fechou as portas para o eterno Menino da Vila.
O fato da sentença não ser definitiva, já que a decisão foi contestada pela defesa do jogador, e o processo irá à segunda instância a partir do dia 10 de dezembro, é o fator determinante que faz o presidente do Santos Orlando Rollo defendê-lo, assim como parte da torcida também o faz nas redes sociais. Posicionamento que só reforça o comportamento machista enraizado na sociedade em que vivemos. Os fatos que temos até aqui já deveriam ser suficientes para que o atacante não tivesse nenhuma possibilidade de entrar em campo por qualquer time.
Entretanto, o equivocado padrão social oferece a Robinho um voto de confiança, de esperar o julgamento completo para entender o ocorrido, mesmo em meio a declarações comprometedoras do atleta que já constam no processo. O que não acontece com a vítima, uma jovem albanesa com 23 anos na época do ocorrido, em janeiro de 2013. Para a mulher, resta sempre a contestação: será que foi realmente estupro?
Como instituição, o Santos falhou de forma inaceitável, o que perpetua a cultura do machismo. “Ainda existem muitos machistas no mundo. Essa construção não vai se desfazer enquanto acharmos que tudo é normal. Não é normal, e ainda mais em um grande clube. As mulheres estão sofrendo tanto com violência. Essa situação foi uma vergonha, um retrocesso”, destacou Vânia Venâncio, presidente do movimento Bertha Lutz ES.
Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais, e especialista em questões referentes a gêneros, discursos, poder e violências contra as mulheres, Renata Bravo destaca o impacto negativo na mensagem que o Santos passou para seus torcedores e para os amantes do futebol.
“Ainda que não tenha o trânsito julgado, que haja recurso e que ele não seja culpado nos termos da lei, existe a falha em trazer de volta o Robinho, jogador que tem status de ídolo. O que essa mensagem vai criar na mente das crianças? Jogador de futebol é uma profissão espelhada no Brasil. O problema maior é vê-lo como ídolo inquestionável. Futebol no país é cultura e nossas crianças estão vendo. Mas o futebol fomenta um mundo machista.”
O Santos ainda entrou em contradição ao contratar Robinho, mesmo após o próprio clube fazer campanhas em suas redes sociais no combate à violência sexual. Na hora da prática, a teoria passou bem longe. Renata pontua que as campanhas são importantes, mas é preciso ter capacitação em todas as áreas do clube.
“São boas ações. Há uma boa intenção. O Marketing vai no que está sendo falado, e que bom que se há uma necessidade da sociedade de falar sobre a violência contra a mulher e combate ao machismo. Os clubes têm que falar. Mas é preciso de capacitação dos integrantes para as campanhas, desde a diretoria até os jogadores."
PROBLEMA GRAVE
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Só no Espírito Santo, pelo menos um caso é registrado por dia, segundo os dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp). Mas esse número pode ser ainda maior, já que muitas vítimas não denunciam o crime por medo ou vergonha. Ao todo, 210 mulheres denunciaram terem sido estupradas de janeiro a agosto de 2020 no Estado. O número teve uma grande queda durante os primeiros meses de isolamento social - uma das principais medidas para evitar a disseminação do novo coronavírus. Enquanto em fevereiro foram 31 casos, em março foram 27, e em abril o número caiu para 12. Nos meses seguintes, os registros foram voltando a crescer gradualmente até agosto, quando foram registrados 36 casos. De acordo com a Sesp, 247 casos foram registrados em 2019, de janeiro a agosto, o que representa uma denúncia por dia.
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