Jornalista de A Gazeta há 10 anos, está à frente da editoria de Esportes desde 2016. Como colunista, traz os bastidores e as análises dos principais acontecimentos esportivos no Espírito Santo e no Brasil

O basta de Gerson: não dá mais para calar a boca diante do racismo

Infelizmente, o que aconteceu com Gerson acontece todos os dias em diferentes setores da sociedade. Para cada Gerson (um negro) há um Ramirez (um racista) e um Mano Menezes (alguém para falar que é mais um mimimi e vitimização)

Vitória
Publicado em 21/12/2020 às 04h00
Atualizado em 21/12/2020 às 04h03
Gerson, Flamengo
Meia do Flamengo, Gerson relatou episódio de racismo no Maracanã. Crédito: Jorge Rodrigues/Agif

Em uma segunda-feira como esta do dia 21 de dezembro, pós-rodada do Campeonato Brasileiro, possivelmente esse espaço seria utilizado para falar de resultados, desempenho de atletas e clubes. Poderia destacar por aqui as importantes vitórias de Botafogo e Vasco, que lutam contra o rebaixamento e até exaltar o poder de reação do Flamengo ao vencer o Bahia por 4 a 3, neste domingo (20), e mostrar que seguirá na caça ao líder São Paulo. Entretanto, tais análises tornam-se irrelevantes diante de mais um caso de racismo nos gramados. No jogo do Maracanã, mandaram Gerson calar a boca, por ele ser negro. Não dá para aceitar.

“O Ramirez, quando tomamos acho que o segundo gol, o Bruno fingiu que ia chutar a bola e ele reclamou com o Bruno. Eu fui falar com ele e ele falou bem assim para mim: "Cala a boca, negro"”, declarou Gerson sobre o comportamento do meia colombiano Ramirez. Mais um episódio de discriminação racial inaceitável no futebol. Dessas afirmações minimizadas por muitos como “coisa de jogo” ou “foi no clima quente da partida”, quando mais uma vez trata-se de querer se impor sobre o outro, o tratando como inferior apenas pela cor da sua pele: racismo.

Entretanto, Gerson não calou a boca. Protestou. E qual foi a reação do senso comum no entorno do gramado? O de sempre, descredibilizar a vítima. Mano Menezes, técnico do Bahia na partida diante do Flamengo que acabou demitido após o jogo, classificou a postura do jogador como “malandragem”. Tentou desqualificar o atleta, como se este estivesse usando de um meio antidesportivo para conseguir alguma vantagem para desequilibrar o adversário dentro de campo. Discurso covarde.

Em pleno 2020, com 2021 já batendo à porta, um profissional no exercício do seu trabalho é alvo de racismo, precisa bater no peito e esbravejar para denunciar a situação e ainda é desacreditado. Infelizmente, o que aconteceu com Gerson no Maracanã acontece todos os dias em diferentes setores da sociedade. Para cada Gerson (um negro) há um Ramirez (um racista) e um Mano Menezes (alguém para falar que é mais um mimimi e vitimização). Por isso, lutamos.

Para exemplificar, posso relembrar aqui, além deste caso do meia Gerson, outros dois acontecimentos recentes que também são de embrulhar o estômago. Na última semana, um menino, sim, uma criança de 11 anos, foi alvo de racismo de um treinador de futebol durante uma competição em Caldas Novas-GO. Em outra ocorrência de discriminação racial no Brasil, a cantora Ludmilla deletou todos os seus perfis oficiais em redes sociais na última sexta-feira (18) após sofrer ataques racistas.

Utilizei até um exemplo que não é da esfera esportiva para deixar bem claro que este é o tratamento que parte significativa da sociedade oferece ao negro seja ele homem, mulher ou até mesmo criança. Isso é inaceitável e não deve ser mais admitido. Gerson fez o certo ao denunciar. E que essa prática se torne cada vez mais comum. Não dá mais para calar a boca diante do racismo.

Agora é esperar pela apuração do que ocorreu no Maracanã na visão das autoridades responsáveis. A diretoria do Flamengo pediu “profunda apuração”, e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) informou que vai solicitar ao Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) a abertura de uma investigação sobre o ocorrido. Que esse caso possa ter desfecho e não ser apenas mais um que não deu em nada.

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