Qual seria a punição para um grupo de jogadores que fosse ousado o suficiente para desafiar as ordens de uma entidade que tem seu atual presidente afastado por uma acusação de assédio sexual e seus antecessores banidos do futebol, e um que foi até preso? Por enquanto não saberemos. Pois, não foi dessa vez que atletas da Seleção desafiaram a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e seu alinhamento ao governo federal.
Insatisfeitos com a realização da Copa América no Brasil, os jogadores da Seleção publicaram um manifesto (documento completo no final da coluna) em suas redes sociais. No texto relatam: "Somos contra a organização da Copa América, mas nunca diremos não à Seleção Brasileira", ou seja, nem tão insatisfeitos assim.
Em outro trecho do manifesto, os jogadores afirmam que: "É importante frisar que em nenhum momento quisemos tornar essa discussão política". Impossível não entender que aqui há maquiagem ou ingenuidade nesse tipo de afirmação. Não perceber o contexto político é não entender ou não querer ver que tudo se trata de política. A partir do momento em que o presidente Jair Bolsonaro decide, em um ato político, sediar a competição continental em um país que ainda não tem a pandemia sob controle.
O Brasil surgiu como a possível sede do torneio após a Argentina anunciar sua desistência em receber o evento esportivo devido à piora da pandemia de Covid-19 no país, e a Colômbia abrir mão por conta dos protestos populares contra a proposta de reforma tributária, o que provocou confrontos com muitas mortes.
Como no território brasileiro "está aparentemente tudo muito bem", o mesmo governo que ignorou 53 e-mails da Pfizer sobre vacinas contra a Covid-19, foi rápido e solícito à Conmebol para abrigar a competição. Pode parecer piada, mas é assim que lida com prioridades o presidente que não esteve em uma reunião com o laboratório que queria fazer do Brasil uma “vitrine do imunizante”, para estar com o cantor Amado Batista.
Não serei hipócrita para ignorar as dezenas de competições com bola rolando no Brasil. Campeonatos brasileiros em quatro divisões, Copa do Brasil, Libertadores, Sul-Americana e Eliminatórias para a Copa do Mundo, apenas me atentando ao futebol. Todas com delegações atravessando o país e muito suscetíveis ao contágio do coronavírus. O que é um erro. Uma batalha que já foi perdida.
Entretanto, um equívoco não justifica outros. Não há razão plausível para o país abrir suas fronteiras para receber mais dez delegações de seleções, que vão estar em trânsito pelo território nacional por um mês na levada: aeroportos, hotéis e estádios. Vários especialistas se posicionaram ao afirmar que o momento não é oportuno, e a Organização Mundial de Saúde (OMS) aconselhou o Brasil a reconsiderar sediar Copa América caso não consiga administrar os riscos.
Dentro desse furacão estavam os jogadores da Seleção Brasileira, que em um primeiro momento sinalizaram com rara indignação ao se perceberem ignorados da discussão da Copa América sendo sediada no Brasil. Após a vitória sobre o Equador na última sexta-feira (04), em entrevista confusa, Casemiro tentou afirmar que o posicionamento dos jogadores era claro e todos já sabiam. Mas pelo visto ninguém sabia de nada.
No fim, um manifesto de quem não compreende o tamanho e a força que tem. Um boicote à competição seria histórico e enviaria uma mensagem direta aos dirigentes. Penso se não seria querer demais de uma geração em que poucos conseguem ver além da própria bolha.
TEXTO PUBLICADO PELOS JOGADORES NA ÍNTEGRA
"Quando nasce um brasileiro, nasce um torcedor. E para os mais de 200 milhões de torcedores escrevemos essa carta para expor nossa opinião quanto a realização da Copa América.
Somos um grupo coeso, porém com ideias distintas. Por diversas razões, sejam elas humanitárias ou de cunho profissional, estamos insatisfeitos com a condução da Copa América pela Conmebol, fosse ela sediada tardiamente no Chile ou mesmo no Brasil.
Todos os fatos recentes nos levam a acreditar em um processo inadequado em sua realização.
É importante frisar que em nenhum momento quisemos tornar essa discussão política. Somos conscientes da importância da nossa posição, acompanhamos o que é veiculado pela mídia, estamos presentes nas redes sociais. Nos manifestamos, também, para evitar que mais notícias falsas envolvendo nossos nomes circulem à revelia dos fatos verdadeiros.
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Por fim, lembramos que somos trabalhadores, profissionais do futebol. Temos uma missão a cumprir com a histórica camisa verde amarela pentacampeã do mundo. Somos contra a organização da Copa América, mas nunca diremos não à Seleção Brasileira."
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