Gustavo Souza Correa é psicólogo e graduando em gerontologia. Entusiasta da longevidade, trabalha há mais de 18 anos com a temática do envelhecimento. Nesta coluna, nos convida a ressignificar a passagem dos anos e trilhar uma jornada de autoconhecimento para viver mais e melhor.

A ideia de um envelhecimento bem-sucedido se apoia no conceito de qualidade de vida

Isso implica dizer que envelhecer bem, demanda a manutenção do bem-estar, num processo de ajustes em que, ou se modificam as expectativas ou se altera a realidade.

Publicado em 19/03/2024 às 09h00
Idosos
Envelhecer bem demanda a manutenção do bem-estar. Crédito: Shutterstock

Tarde de segunda, e ela chega ao consultório pontualmente às 16h40.

Toca o interfone. Atendo. Abro o portão e enquanto espero, tomo um bom gole de água.

Assim que ela desponta no topo da escada, meu olhar logo se fixa em sua camiseta branca com uma estampa colorida e chamativa, que carregava a frase: “Não crie expectativas, crie unicórnios”. Fantástico, isso!

Externo um sorriso discreto e a cumprimento (enquanto internamente gargalho com o ecoar da frase em meus pensamentos).

Prosseguimos…

Boa tarde, Ana*.

Boa tarde, Gustavo.

E ainda na antessala, pergunto: tudo bem? Quer uma água ou café?

Ao que ela me responde: nossa, enquanto psicólogo, você não deveria fazer esse tipo de pergunta.

"Qual pergunta?". "Se quer café ou água?". 

Não, se “está tudo bem”? Você sabe que as coisas nem sempre vão bem. Aliás, raramente estão bem com isso tudo que a gente vive hoje.

Embora nem tão surpreso com a sua reação, respiro fundo e após alguns segundos olhando para ela, respondo com um questionamento: o que você esperava que eu lhe perguntasse?

Silêncio... o silêncio que precede as expectativas.

Esses dias fiquei pensando que de alguma forma também a nossa língua segue tendências de consumo. E assim, as expressões, depois de um tempo em uso, vencem, perdem a validade e são descartadas.

Já notou como algumas palavras “caem em desuso”? Será que existe uma moda também para a forma como nos expressamos?

Indo além da retórica, não estou falando aqui das “gírias” - que geralmente traduzem um conceito temporal bem demarcado em que nascem, crescem, se reproduzem e depois morrem- mas de palavras que figuram em nosso vocabulário da língua “culta” e com cadeira cativa nos dicionários.

Nesse processo, percebo que de alguma maneira, assim como as celebridades, os vocábulos, e termos e expressões que produzem, também vivem seus ciclos, ou seja, são descobertos (ou criados), em seguida alcançam a notoriedade, depois a quase unanimidade, seguem para a banalidade, até que se tornam descartáveis e são esquecidos, ou talvez ofuscados ou substituídos por algum anglicanismo até se tornarem “cringe”.

“Vai vendo..."

Vou te dar alguns “spoilers” desse “case”, só para exemplificar. O que temos feito com a gratidão? A empatia? O propósito? O que cada uma dessas palavras hoje representa? Será que elas ainda carregam os mesmos sentidos de antes?

Bem, nesse contexto (confesso que considero esse termo fabuloso), me parece que as expressões “bem-estar” e “qualidade de vida” também vivem seus ciclos de celebridades. Nos acostumamos tanto com seus usos indiscriminados, que já pouco nos ocupamos em refletir o que de fato significam quando presentes em alguma propaganda, ou texto em geral, ou seja, já nem nos atentamos a este ou àquele contexto em que se apresentam inseridas.

No contexto do envelhecimento então…

Bem-estar traz consigo um conceito estreitamente ligado a noção de saúde e refere-se à maneira como você vive a vida e o quanto isso lhe satisfaz. Por sua vez, qualidade de vida pode ser definida (segundo a OMS) como “a percepção do indivíduo de sua inserção na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”.

Notou aqui a palavra-chave, percepção?

Qualidade de vida dentre as suas várias definições, é antes de tudo um conceito subjetivo e está associado a uma ampla gama de elementos, incluindo o bem-estar psicológico, a adaptação social, a satisfação pessoal, a autonomia física e o apoio social.

Sendo assim, a medida de nossa qualidade de vida está no quanto a realidade percebida satisfaz as nossas expectativas. Com isso, fica fácil entender que, quanto menor a distância entre a realidade e as expectativas, maior será a sensação de bem-estar e de qualidade de vida.

Sim. É isso mesmo, quanto menor a distância entre a nossa realidade e as nossas expectativas, maior será a nossa (percepção de) qualidade de vida!

Percepção e expectativas…

Inclusive a ideia de um envelhecimento bem-sucedido se apoia no conceito de qualidade de vida. Isso implica dizer que envelhecer bem, demanda a manutenção do bem-estar, num processo de ajustes em que, ou se modificam as expectativas ou se altera a realidade.

Não custa lembrar que diante da realidade temos sempre inúmeras possibilidades mas que nem sempre caberá a nós a transformação. Contudo, com as expectativas a história é outra… Como temos lidado com as nossas!?

E quanto aos unicórnios?

Creio que por serem selvagens, talvez seja melhor deixá-los como tal. E que se criem livres.

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