Quando perguntam a sua data de nascimento, você apresenta dia, mês e ano (!!!) ou informa somente os quatro primeiros dígitos, e torce para que isso já seja suficiente para o cadastro solicitado?
A palavra idoso tem sua origem no latim, e o seu prefixo “id” vem da palavra “idade”. Por sua vez, o sufixo “oso” significa “provido de” ou “abundante em” algo ou alguma coisa. Logo, “idade+oso”, idoso ou pessoa idosa (termo atual!) é aquele que é provido de muita, abundante em... idade.
Ora, se a idade é a contagem dos anos vividos (tempo de vida!), e a maioria de nós deseja, para si e para os outros, viver muito –afinal, é isso que cantamos em todos os aniversários: muitas felicidades, muitos anos de vida –, ser abundante em idade deveria ser algo como um prêmio, uma dádiva, não é? Tornar-se abundante em idade deveria ser o reconhecimento de uma trajetória bem-sucedida, de que a vida está “indo bem”. Motivo de orgulho. Por que não?
Quanto anos você tem!? Esse tipo de questionamento lhe embaraça ou você retorna com o famoso: Quantos anos você acha que eu tenho? Devolvendo, assim, o constrangimento ao entrevistador.
Em 1837, Hans Christian Andersen, publicou o clássico “Keiserens nye Klæder” ou “As Novas Roupas do Imperador”. Essa história se passa mais ou menos assim:
“Certo dia, dois golpistas chegam a um reino não tão distante, onde o seu monarca, além de soberbo, egoísta e vaidoso, gostava de esbanjar muito em roupas. Fazendo-se passar por alfaiates, os espertalhões, oferecem-lhe roupas magníficas, mas que seriam visíveis apenas para as pessoas inteligentes.”
A história prossegue de forma que todos os envolvidos, na tentativa de serem vistos como pessoas dotadas de grande intelecto, concordam que os tecidos invisíveis realmente existem e que tudo é verdadeiro. Até que, com o desfecho do conto (alerta de spoiler!), no dia do desfile real para apresentação dos novos trajes, uma criança (ah, a sinceridade das crianças!) deixa escapar que o imperador está nu. As pessoas, então, percebem que todos foram enganados. “Embora assustado, o monarca continua a procissão, caminhando mais orgulhoso do que nunca”.
À medida que ganhamos idade, talvez por vincularmos o envelhecimento única e exclusivamente às perdas provenientes do processo, assim como o vaidoso imperador, vemos-nos impelidos a nos refugiar atrás de tecidos imaginários (invisíveis aos olhos dos tolos!), a fim de que os outros não nos percebam “idadosos”. Encastelamo-nos!
Nesse intento, numa cultura “anti-idade”, gastamos muito do nosso tempo (e dinheiro!) com pensamentos, intervenções, técnicas, compras, comportamentos e relacionamentos, que nos façam parecer mais jovens e nos ofereçam a possibilidade (ou seria a mera sensação?) de deter o processo de envelhecimento. Dessa forma, o tempo passa a ser um peso indesejado, difícil de se carregar, e, por isso, precisaria ser negado, escondido.
Assim, na tentativa de evitar os limites, ou melhor, de fugir das imagens que nutrimos daqueles que se abundam em idade, o nosso ano de nascimento passa a ser um incômodo.
Ao omitir a idade, negamos a nós mesmos, abstendo-nos da possibilidade de contar o tempo vivido, esquivando-nos de viver e revisitar a nossa própria história, numa tentativa controversa de encurtar o caminho que nos trouxe até aqui, como se fosse possível mudar o que se foi!
Mas afinal, como o êxito do golpe está na crença da vítima (que se vê sempre mais inteligente que o golpista), seguimos caminhando nus em meio à multidão, “mais orgulhosos do que nunca”.
Só que, ao contrário do conto de Andersen, parece que as “nossas crianças” também aprenderam a se passar por intelectuais e o silêncio se torna ensurdecedor.
Agora, me diz aqui, qual é mesmo a sua idade?
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