Prometemos não falar mais de violência nas escolas, mas comentar o plano de segurança específico lançado pelo governo estadual não é, afinal de contas, uma exceção propriamente dita. Então vamos lá.
Já andamos dizendo aqui que não se deveria alterar a rotina das escolas e muito menos adotar medidas que possam prejudicar o ambiente de acolhimento e aprendizado. E que o problema, concretamente, não ocorre com frequência que justifique grandes gastos ou medidas drásticas.
Contudo, observamos que é quase impossível aos titulares de cargos eletivos não apresentarem algum “pacote de medidas” e que alguns andaram defendendo as piores ideias. Que bom que o ES, com uma única ressalva, conseguiu elaborar um plano fugindo dessas armadilhas.
Já defendemos neste espaço a ampliação da Patrulha Escolar, um programa que já foi amplamente estudado e se mostrou barato e eficiente. O Proerd não é exatamente voltado para a violência escolar, mas à prevenção do uso de drogas e, até onde sabemos, nunca foi objeto de uma avaliação científica profunda, mas cabe no embrulho. O uso de câmeras somente ficaria caro se for usado monitoramento humano em tempo real. Todas essas medidas tendem a produzir efeitos muito mais nas pequenas violências diárias, na evasão escolar e no envolvimento com o tráfico, mas isso é muito bom, até porque, não custa repetir, o cotidiano escolar é que deve ser o foco, não episódios absolutamente raros sobre os quais temos pouco controle.
A maior disponibilização de psicólogos e assistentes sociais é outra ideia excelente. Uma medida que tende a melhorar o aprendizado, evitar evasão escolar, reduzir a indisciplina e pequenas agressões etc., sem qualquer efeito adverso. Não vai sair barato, mas é dinheiro bem gasto. Bola na rede e a torcida comemora.
A única bola fora é a sugestão de treinar a comunidade acadêmica, isto é, alunos, professores e funcionários no protocolo “Corra, Se esconda, Lute". Dos EUA vêm os maiores problemas e as piores soluções nesta área; o melhor conselho é fazer tudo ao contrário do que fazem lá. Em todo caso, há dois problemas graves com essa proposta: de um lado, o elevado custo, embora invisível, somado à completa inutilidade; de outro, um efeito colateral perverso e muito mais grave que o próprio risco de agressão.
Não, ninguém vai assinar um cheque para que esses treinamentos sejam oferecidos, mas os policiais encarregados dessa tarefa serão retirados de outras atribuições; os professores e alunos serão retirados de atividades didáticas, e os funcionários, das administrativas.
Seriam muitos “homem-hora” jogados no lixo, porque todo mundo sabe que essa capacitação será rapidamente esquecida por falta de efetivo emprego. De qualquer forma, se e quando acontecer com alguém, a maioria simplesmente vai se deixar levar por seus instintos, ficará muito apavorada para agir racionalmente etc. E os alunos vão se formando e entrando outros, sendo necessário refazer o treinamento o tempo todo, para nada.
O pior, no entanto, é ficar reforçando esse medo irracional de atos que, apesar de monstruosos, são absolutamente improváveis. Isso deixaria as crianças e adolescentes – e mesmo os adultos – em um estado de estresse permanente, prejudicando-os psicologicamente e afetando o aprendizado. As autoridades públicas não devem reforçar o chamado “medo do crime”, não devem ampliar a histeria que esse tema já tende a provocar.
Alguém já ouviu falar dos sobrevivencialistas? Outra ideia de americano entediado que chegou ao Brasil. São pessoas que passam o tempo todo se preparando para o juízo final, para uma hecatombe nuclear da qual eles sejam alguns dos poucos sobreviventes. Vão se treinando, equipando e paramentando para se tornarem personagens de “Mad Max”.
Enquanto o Armaggedon não chega, deixam de viver o presente ou, melhor dizendo, vivenciam no seu dia a dia esses tempos sombrios que nunca chegam. Bem, desde que o façam com seu próprio dinheiro e prejudicando apenas a si mesmos, não temos nada a ver com isso.
Bem, não há razão plausível para que autoridades públicas induzam os alunos a esse estado de vigília permanente, ao medo irracional, a vivenciar uma violência imaginária como se fosse sua rotina. O remédio seria pior que a doença. Vamos torcer para que essa parte do plano de segurança escolar seja esquecida ou pelo menos limitada. E aguardemos os psicólogos, que são uma conceito muito melhor.
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