Volta e meia o noticiário local, nacional ou internacional traz a notícia de graves agressões praticadas contra crianças por padrastos ou madrastas, muitas vezes com evidências de certa conivência do genitor biológico. Claro que não são os únicos episódios de violência contra a infância, mas estas merecem ser estudadas em separado do restante, pois comportamentos semelhantes são frequentes na natureza.
Muitos animais, especialmente mamíferos superiores, têm o hábito de eliminar a prole anterior de uma nova parceria. Essa atitude é particularmente mais comum entre machos, mas também fêmeas agem assim. Aparentemente, a finalidade é assegurar espaço e atenção para os próprios descendentes, propiciando a perenidade da genética daquele novo macho alfa. Aliás, também se percebeu que os musaranhos e outros seres eliminam os filhotes da própria raça ou de outras, simplesmente para diminuir a concorrência com os deles.
Desde a fábula de Cinderela, transformada em desenho animado, a palavra “madrasta” adquiriu um significado profundamente pejorativo. Claro, existem muitos que se desvelam com filhos que não são seus, tornando a paternidade socioafetiva um verdadeiro instituto jurídico moderno largamente reconhecido, apesar da falta de previsão legal expressa.
Contudo, não é razoável ignorar a carga de instintos primitivos que pode influenciar, em certas pessoas, um procedimento tão horrendo quanto assassinar uma criança inocente, por motivos que lhe são alheios ou, melhor dizendo, simplesmente não existem, quase sempre de maneira particularmente brutal.
O desafio para prevenir tais casos é que o agressor não necessariamente ostenta um histórico de brutalidade. Em outros aspectos de seu comportamento, pode parecer perfeitamente normal e até exemplar, especialmente na lida com seus próprios filhos. Esses agressores não precisam corresponder a nenhum estereótipo, nem se encaixar em um tipo lombrosiano; talvez não deem nenhum sinal do que são capazes.
Esses casos sempre existiram. Ocorre apenas que a substituição do casamento indissolúvel por um sistema de monogamias sucessivas tornou muito mais complexas as estruturas familiares atuais e muito mais provável o convívio das crianças com pessoas que não são os seus genitores biológicos, como também a disputa seja por atenção para outros meninos e meninas, seja por despertar o ciúme do próprio algoz, isto é, de um adulto que não aceita dividir espaços com um garotinho.
Como a tendência é a de arranjos familiares cada vez mais complexos, esse tema merece deixar as telas dos cinemas para se tornar objeto de estudo sistemático, uma vez que parece provável o aumento de sua importância estatística. Sim, parece que, infelizmente, esses casos tendem a deixar de ser episódicos para adentrar em nossa barbárie cotidiana.
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