Se alguém tinha dúvidas sobre a influência das emendas parlamentares impositivas sobre os resultados das eleições, o levantamento feito pela Folha de São Paulo é revelador: nos 116 municípios que mais receberam recursos de emendas, a taxa de reeleição foi de 98%. No geral, entre os mais de 3 mil prefeitos que buscaram a reeleição, 80,6% obtiveram sucesso (a média histórica, até então, era de 58,3%).
Os números revelam o que muitos analistas políticos já observavam: com o aumento dos recursos destinados às emendas parlamentares (que eram R$ 26 bilhões em 2022 e passaram a ser de R$ 37 bilhões em 2023 e R$ 52 bilhões em 2024), o eixo do poder se deslocou, em boa parte, do Executivo para o Legislativo.
A distribuição desses recursos privilegia, é claro, as maiores bancadas do Congresso Nacional que são as do PSD, MDB, PP, União Brasil, PL e Republicanos. Esses partidos, que detêm 62,8% das cadeiras do Congresso Nacional, passarão a governar, a partir de 1º de janeiro, 77% dos municípios brasileiros.
E mais: as emendas, além de destinarem mais dinheiro para estados e municípios, passaram a ser impositivas. Ou seja, não está mais nas mãos do presidente da República decidir quais emendas devem ser contempladas, já que ele, agora, é obrigado a liberá-las.
Além disso, desde o ano passado, o governo cedeu à pressão do Congresso e, por acordo, oficializou em um decreto o calendário de liberação de recursos das emendas. Em resumo: o presidente da República passou a ser obrigado a cumprir as datas nas quais os recursos serão liberados.
A perda de autonomia do presidente da República para gerir os recursos do Tesouro Nacional é nítida quando se sabe que das despesas previstas no orçamento de 2025 (R$ 2,75 trilhões), 92% representam gastos obrigatórios como benefícios previdenciários e salários.
O que sobra para investimentos do governo federal, a serem aplicados em políticas públicas decididas pelo presidente, não passa de R$ 225 bilhões.
Boa parte das emendas parlamentares não precisa estar vinculada a qualquer projeto, podendo ser gasta livremente pelo governador ou prefeito. Isso motivou o ministro do STF Flávio Dino a, em agosto, suspender a execução das emendas parlamentares sob a alegação de que “não é compatível com a Constituição Federal a execução de emendas que não obedeçam a critérios de eficiência, transparência e rastreabilidade”.
A suspensão atingiu em cheio as chamadas emendas Pix nas quais os valores são transferidos por parlamentares diretamente para estados ou municípios, sem a necessidade de apresentação de projeto ou justificativa.
A decisão do ministro suspende a liberação das emendas, com exceção das destinadas a obras em andamento e a casos de calamidade pública, até que o governo e o Congresso elaborem novas regras para execução do orçamento. A queda de braço entre o ministro e o Congresso continua sem solução já que a maior parte dos parlamentares vê a medida como uma violação à separação dos poderes e como uma tentativa de o governo usar o Supremo para voltar a ter ingerência na liberação das emendas.
O fato é que, com as emendas parlamentares impositivas, o Congresso quebrou a hegemonia do Executivo que até então decidia, de forma soberana, as questões relativas à aplicação dos recursos públicos. Quem está com a faca e o queijo nas mãos, agora, é o Congresso. É por isso que a novidade, em Brasília, é que governadores e prefeitos já não fazem fila, com o pires nas mãos, em frente aos ministérios. A fila agora está em frente dos gabinetes dos deputados e senadores.
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