Só não viu quem não quis. O script foi seguido à risca: o presidente da República, dia sim e outro também, levanta dúvidas sobre as urnas eletrônicas insinuando que elas são vulneráveis, essa insinuação é repetida tantas vezes que acaba convencendo seus seguidores, e as redes digitais são inundadas de fake news que reforçam a mensagem que as eleições foram, são e serão fraudadas.
O presidente chega a dizer (sem provas) que, em 2014, Aécio Neves teria vencido Dilma Rousseff (mas as urnas fraudadas deram a vitória à candidata do PT), e que em 2018 ele teria vencido as eleições no primeiro turno (cujo resultado também foi fraudado a ponto de ele ter sido obrigado a disputar um segundo turno com Fernando Haddad).
Bolsonaro chegou ao cúmulo de, em julho, reunir os embaixadores para propagar a sua tese de que as eleições de 2022 estavam armadas para derrotá-lo, já que as urnas não eram auditáveis e, portanto, estariam programadas para dar a vitória ao seu adversário. Quando ocorreu a invasão do Capitólio pelos seguidores de Donald Trump, seu ídolo, em 2021, Bolsonaro já tinha vaticinado: “Se nós não tivermos o voto impresso em 2022, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos”.
Estavam aí sendo encenados os capítulos iniciais da novela que teve o seu momento mais vergonhoso no último dia 8 com a depredação dos prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal em Brasília. Exatamente no dia em que o secretário de Segurança do Distrito Federal, principal responsável pela segurança da área, estava nos Estados Unidos, coincidentemente na mesma cidade onde se encontrava Bolsonaro. Ministro da Justiça no governo Bolsonaro, Anderson Torres se apresentou à polícia no sábado, após ter a sua prisão decretada, sem o seu telefone celular convenientemente deixado nos Estados Unidos “por ter sido clonado”.
Mais suspeita ainda é a minuta de decreto encontrada na residência de Torres na qual o presidente da República decretaria um tal de “estado de defesa” na sede do Tribunal Superior Eleitoral. O texto permitiria a intervenção do presidente em “locais restritos e determinados” para “preservar ou prontamente restabelecer a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional”. Em outras palavras, estaria aí o instrumento para tentar juridicamente justificar o golpe de estado.
Enquanto isso, os bolsonaristas inconformados com o resultado das eleições permaneciam acampados em frente aos quartéis militares das capitais desde a divulgação dos resultados eleitorais. No dia 12 de dezembro, muitos deles, em Brasília, participaram da depredação de dez carros que foram apedrejados e alguns incendiados, episódio seguido por uma tentativa de invasão da sede da Polícia Federal, como reação à prisão de um dos acampados. Na véspera de Natal, um deles tentou instalar duas bananas de dinamite em um caminhão-tanque carregado com querosene de aviação perto do aeroporto de Brasília.
Os acampados, reforçados por passageiros de pelo menos 86 ônibus que chegaram de vários estados, depredaram os prédios da Praça dos Três Poderes no dia 8. Até a última segunda-feira, sete torres de transmissão de energia elétrica foram atacadas em Rondônia, Paraná e São Paulo, sendo que quatro delas acabaram sendo derrubadas.
Mas, por mais incrível que possa parecer, ainda há quem ache que tudo isso que aconteceu no Brasil nos últimos dias não passa de uma simples e livre manifestação de opinião. Na verdade, o que houve foi uma deslavada tentativa de golpe de estado que foi frustrada pela reação das nossas instituições democráticas que, felizmente, saíram desses tristes e lamentáveis episódios mais fortes do que antes.
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