É empresário do setor imobiliário, membro do Conselho Superior da Ademi-ES, mestre em Change pelo Insead (França), professor convidado pela Fundação Dom Cabral e 24º brasileiro a atingir o cume do Everest.

Cidade de 15 minutos: modismo, utopia ou realidade?

Quando criada, expressão considerava que a função primordial dos bairros era conectar pessoas através da criação de comunidades fortalecidas

Vitória
Publicado em 19/10/2022 às 01h58
Atualizado em 19/10/2022 às 01h58
Cidade de 15 minutos: modismo, utopia ou realidade?
Algumas cidades já vêm implementando este modelo de organização urbana baseado na descentralização dos espaços e no incentivo aos pedestres e aos ciclistas. Crédito: William Fortunato/Pexels

Oportunamente busco trazer para esta coluna reflexões relacionadas às principais tendências de urbanismo que têm influenciado a maneira como o poder público e os empreendedores privados pensam e atuam na construção ou remodelação das cidades de maneira a prover uma melhor qualidade de vida para seus moradores.

Temas como cidades inteligentes, cidades resilientes ou cidades para pessoas compõem o repertório dos urbanistas modernos e já foram abordados neste espaço. É neste contexto que surge a Cidade de 15 Minutos.

O QUE É E COMO SURGIU ESTE CONCEITO?

A Cidade de 15 Minutos foi inspirada no trabalho da escritora e pensadora Jane Jacobs e considerava que a função primordial dos bairros era conectar pessoas através da criação de comunidades fortalecidas.

Entretanto, a ideia só se tornou palpável e ganhou este nome através do cientista da Sorbonne Business School, o franco-colombiano Carlos Moreno. Segundo ele, as pessoas nas médias e grandes cidades aceitam o inaceitável para acessar o básico.

Como resposta a este “inaceitável” nasce a Cidade de 15 Minutos, cujo conceito parte do princípio de que a maioria das necessidades diárias dos habitantes de uma cidade, ou seja, empregos, serviços governamentais, parques públicos, comércio e uma variedade de opções de entretenimento, deve ser facilmente acessada de bicicleta ou a pé de suas casas em um intervalo não superior a 15 minutos.

MODISMO, UTOPIA OU REALIDADE?

Algumas cidades no mundo já vêm implementando este modelo de organização urbana baseado na descentralização dos espaços e no incentivo aos pedestres e aos ciclistas em detrimento dos carros. Paris é a cidade que está liderando a aplicação dos princípios da Cidade de 15 Minutos.

Sob a gestão da prefeita Anne Hidalgo e tendo sido, inclusive, um dos pilares de sua campanha política, a prefeitura busca incentivar o desenvolvimento de comunidades autossuficientes em cada distrito de Paris, tornando os bairros da capital mais eficientes para criar áreas social e economicamente diversas.

Além de Paris, Melbourne, na Austrália; Copenhague, na Dinamarca; Amsterdam, na Holanda e Seattle, nos Estados Unidos, trilham caminhos semelhantes.

O apelo de trabalhar, estudar, consumir e se divertir em um pequeno raio de casa é bastante forte, mas está longe de ser uma unanimidade entre os teóricos.

Para Edward Glaeser, autor do livro “O Triunfo das Cidades”, “a ideia da Cidade de 15 Minutos seduziu alguns planejadores urbanos. Mas, passado o encantamento inicial, temos que reconhecer que ela impede as cidades de cumprir seu verdadeiro papel: gerar oportunidades”.

Embora Glaeser enalteça suas muitas vantagens, ele vê a Cidade de 15 Minutos não como uma cidade de fato, mas como um enclave, um gueto, e que as subdivisões geradas pela sua implementação quebra a interconectividade entre os bairros que devem compor uma cidade ao mesmo tempo diversa e única.

Outra crítica ao modelo parte da ativista e deficiente visual Anna Zivartis. Para ela, o planejamento urbano focado prioritariamente na walkability (caminhabilidade) pode ser excludente com as pessoas que têm dificuldade para pedalar ou caminhar, incluindo aquelas com deficiência (PCDs).

“Deixar de perder horas no trânsito para trabalhar ou estudar é uma ideia extremamente atrativa. Mas será que a velocidade é um fator mais importante que a acessibilidade?”, provoca Zivartis.

Outro questionamento quanto à aplicabilidade do conceito relaciona-se ao fato de que as prefeituras têm o poder de construir escolas ou fazer leis que incentivem o uso misto dos bairros, mas não tem o poder de criar empregos a 15 minutos de distância de casa para todas as pessoas.

QUAL A VIABILIDADE DESTAS IDEIAS NO BRASIL?

Considerando que um dos principais problemas das nossas grandes cidades é a precária estrutura de mobilidade, a ideia da Cidade de 15 Minutos parece especialmente atraente.

Sancionada em 2012, a Política Nacional de Mobilidade Urbana defende a otimização da mobilidade e acessibilidade e que as ruas devem ser ambientes de encontro, convivência e bem-estar.

Empresas que atuam com o desenvolvimento urbano vêm concebendo seus novos projetos de loteamentos abertos contemplando itens deste conceito e já destinando áreas específicas para escolas, comércio e serviços, bem como atuando na criação de associações de moradores que participam, junto aos órgãos públicos, da definição das funções das áreas doadas ao município.

Por parte do poder público o desafio parece maior, uma vez que há uma inerente dificuldade em inovar. As legislações de alguns municípios ainda carregam conceitos arcaicos de urbanismo, como zoneamento monofuncional, recuos frontais e vias que priorizam o automóvel. Um caminho de conscientização e adaptação será necessário.

Apesar das críticas e dificuldades, a implementação dos principais conceitos da Cidade de 15 Minutos parece que veio para ficar. Atuar cirurgicamente em determinadas áreas e implementar o possível em detrimento do ideal pode ser um bom caminho a se trilhar.

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