“Por décadas, a dimensão humana tem sido um tópico do planejamento urbano tratado a esmo, enquanto várias outras questões ganham mais força”. Estas são as primeiras linhas escritas por Jan Gehl no seu livro "Cidades Para Pessoas". Arquiteto e ex-professor da Real Academia Dinamarquesa de Belas-Artes, Gehl é referência como um profundo observador e pensador sobre a vida nas cidades.
A negligência à dimensão humana apontada por ele estaria relacionada à baixa prioridade dada ao papel do espaço urbano como local de encontro dos moradores da cidade: obstáculos, ruído, poluição e riscos de acidentes seriam comuns à maioria das cidades do mundo.
Com a maioria da população mundial vivendo nos centros urbanos e estes crescendo aceleradamente, Gehl sustenta que tanto as cidades existentes quanto as novas terão que fazer mudanças em relação aos pressupostos do planejamento, priorizando as necessidades das pessoas que vivem e utilizam o espaço urbano.
Este foco na dimensão humana viria através de quatro objetivos-chave a serem explorados no novo planejamento urbano.
O que significa cada um destes objetivos? Serão eles factíveis também para cidades de países em desenvolvimento, como o Brasil?
A CIDADE VIVA
Partindo-se do princípio de que “as pessoas vão aonde as pessoas estão”, uma cidade viva é aquela em que as pessoas sentem-se convidadas a caminhar, pedalar ou permanecer nos espaços da cidade. Gehl dedica especial atenção ao que ele chama de “espaços de transição”. Estes estariam representados, principalmente, pelo andar térreo de uma edificação. É o local onde se entra e sai dos edifícios, onde as atividades realizadas dentro das edificações são levadas para fora, para o espaço comum das cidades. Esta interação gera vitalidade.
Também seriam exemplos destes espaços de transição as lojas no térreo, os cafés e bares onde a disposição das mesas são voltadas para as calçadas.
Existem bons e maus exemplos de espaços de transição. Se compararmos alguns bairros de Vitória podemos observá-los. Praia do Canto e Jardim da Penha, por exemplo, são bairros cheios de vitalidade, onde as pessoas gostam e sentem-se confortáveis em caminhar, onde há inúmeras lojas com vitrines pequenas, cafés e lanchonetes que convidam as pessoas a sentarem e observarem o tempo e o movimento.
Em contraponto, há a Enseada do Suá, com predominância de prédios públicos ou empresariais e quarteirões compridos, que desestimulam o andar a pé. Felizmente, inúmeros empreendimentos residenciais vêm sendo edificados na Enseada nos últimos anos, muitos destes privilegiando uma área comercial no térreo voltada para o bairro. Este incremento do uso misto tende a humanizar o bairro tornando-o vivo para além do horário comercial.
A CIDADE SEGURA
Quanto mais pessoas se movimentam pelas ruas e permanecem nos espaços urbanos, maior é a sensação de segurança. Assim, uma cidade que permita cumprir curtas distâncias a pé, que tenha espaços públicos atrativos e uma variedade de funções urbanas disponíveis tende a ser uma cidade mais segura.
É claro que os desafios das cidades do Brasil no que tange à segurança são complexos e suas causas vão muito além das questões urbanísticas. Mas podemos considerar que um planejamento urbano que privilegie a circulação de pessoas pode ser um aliado na solução dos problemas de segurança, afinal onde há mais olhos para acompanhar os acontecimentos da cidade, maior o nível de segurança dos seus moradores.
A CIDADE SUSTENTÁVEL
Neste item, Gehl joga o foco no que ele chama de “mobilidade verde”, incentivando o uso de transporte público, de bicicletas e o locomover-se a pé. Esses meios proporcionam benefícios à economia e ao meio ambiente, na medida que reduzem o consumo de recursos e de emissões e diminuem o nível de ruído.
Novamente, os desafios para os países em desenvolvimento parecem ser maiores, na medida que seus sistemas públicos de transportes são ainda precários e insuficientes. Entretanto, não podemos negar avanços nesta área, sobretudo no aumento das ciclovias. Em Vitória, por exemplo, podemos ir de um extremo ao outro da cidade, de Jardim Camburi à Vila Rubim por ciclovias. Diversas rotas entre-bairros também estão prontas ou em execução. Logo mais, os bairros da faixa oeste da ilha, como São Pedro e Ilha das Caieiras, terão ligação por ciclovias, bem como poderemos ir de bicicleta de Vitória a Vila Velha pela Terceira Ponte.
Talvez nós não as usemos, talvez o calor nos desestimule o uso diário, mas não raro cruzamos com um vizinho que já começa a fazer alguns destes trajetos de bicicleta. Quem sabe não nos sentimos estimulados a mudar alguns hábitos?
A CIDADE SAUDÁVEL
Uma cidade onde as pessoas caminham e pedalam com regularidade é uma cidade com menor índice de sedentarismo, logo, mais saudável. Neste quesito, Gehl omite outras questões tão ou mais relevantes para o que venha a ser uma cidade saudável, como o saneamento básico, outro ponto que ainda estamos vergonhosamente atrasados se comparados aos países desenvolvidos.
O intuito de Gehl ao estabelecer estes quatro objetivos-chave é trazer um olhar mais integral e humano do planejamento urbanístico para todos aqueles que constroem e habitam o espaço urbano. Naturalmente que cada cidade enfrenta os seus desafios próprios, mas, se estes objetivos-chave não são capazes de resolver todos os problemas das cidades, é inegável que ajudam a torná-las melhores: mais vivas, mais seguras, mais sustentáveis e mais saudáveis.
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