Neste mês entra em vigor o IVAR, Índice de Variação dos Aluguéis Residenciais. Desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) e pela Fundação Getulio Vargas (FGV), o IVAR nasce como uma opção de índice de reajuste dos contratos de locações imobiliárias, contrapondo-se aos onipresentes Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) e Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Para além das análises econômica e jurídica, já fartamente exploradas, minha abordagem neste tema tem o objetivo de jogar luz nas relações entre locadores e locatários e se o surgimento deste novo índice pode ser capaz de aprimorar estas relações, tornando-as mais justas, no sentido de mais harmoniosas.
Mas o que seria uma relação “justa” no mercado das locações imobiliárias?
Todo negócio imobiliário justo deve atender a três fundamentos: transparência, segurança e equilíbrio financeiro, ou seja, as partes envolvidas devem ter clareza das condições do negócio, dos direitos e deveres das partes e se sentirem seguros nos termos do contrato a ser assinado. Mas quando falamos de “preço justo” não é incomum confundirmos alguns conceitos, como, por exemplo, a diferença entre preço caro e preço alto. Um imóvel pode ter o seu preço de venda ou locação alto, devido aos seus atributos ou mesmo em função do que eu posso ou estou disposto a pagar, mas não ser necessariamente caro, ou seja, enquadrar-se no valor de mercado.
Nos negócios de compra e venda, a percepção de caro/alto e barato/baixo é mais clara. Ademais, pelo fato da relação encerrar-se no ato do pagamento e transmissão do bem, o tempo ajusta uma eventual distorção no preço pago por este imóvel via valorização do patrimônio. Já nos aluguéis, cuja relação é de longo prazo (em geral, um contrato de locação residencial tem o prazo de 30 meses), esta percepção é mais difusa.
DIFERENÇAS DE PERCEPÇÃO
As relações entre proprietários e inquilinos guardam, na sua essência, um componente de conflito: o proprietário acha que o aluguel é barato, se comparado ao valor venal do imóvel, enquanto o inquilino pensa estar pagando caro, especialmente quando no custo de moradia, além do aluguel, há de se considerar outras despesas, como condomínio, IPTU, manutenção, dentre outros. Embora aliviados pela concretização do negócio, não raro, ambos saem da mesa de negociação com um gosto amargo na boca.
Cabe ao profissional imobiliário que está intermediando esta locação a árdua tarefa de desfazer esta primeira sensação e substituí-la, normalmente através de argumentos racionais, por uma percepção de que o negócio ora celebrado é justo para ambas as partes.
Entretanto, não são apenas os argumentos racionais que motivam nossas reações e nossa percepção do que é um negócio justo, ao contrário, há um componente comportamental, muitas vezes inconsciente, que faz com que sintamos o que sentimos. Os estudos da economia comportamental têm nos ensinado que as pessoas fazem julgamentos e tomam decisões consultando suas emoções. Como disse o psicólogo Jonathan Haidt, “a cauda emocional abana o cão racional”.
Esta percepção deve-se, muitas vezes, a questões culturais: o brasileiro ainda é bastante patrimonialista e, cada real despendido mensalmente pelo inquilino no pagamento do aluguel, alimenta a percepção de que o sonho da casa própria está um pouco mais distante. Pelo outro lado, o desejo do locador de maximizar o investimento realizado na aquisição de um imóvel através da melhor renda de aluguel possível esbarra na realidade do mercado, normalmente abaixo da expectativa gerada.
A cada momento de reajuste ou renovação contratual estas visões opostas voltam à tona e, com elas, potenciais conflitos. E, de fato, como manter a sensação de justiça para o inquilino quando o IGP-M, índice que normalmente é utilizado para os reajustes dos aluguéis, fecha o ano de 2021 com variação de 17,79% (após pico de 37,06% em maio)? Isto após ter fechado 2020 em 20,13%. Igualmente, houve momentos em que o IGP-M fechou o acumulado de 12 meses negativo ou próximo a zero. Difícil para o proprietário engolir. Este movimento pendular instável desgasta negócios e relações.
RENEGOCIAÇÃO
Sabiamente, tem havido uma predisposição por parte das partes e bem conduzida pelas imobiliárias administradoras destas locações de buscar negociar caso a caso estas eventuais distorções. André Braz, economista da FGV, em matéria publicada no jornal Valor Econômico aponta que o quadro frágil da economia na pandemia, com desemprego em alta e renda em baixa, contribuiu para esse cenário. “Houve muita renegociação entre inquilinos e proprietários durante a pandemia”, pontua Braz.
Na prática, houve uma certa “sensibilidade” por parte dos senhorios em relação à crise na economia, causada pelo avanço da covid-19. “Não havia condições de pagar reajuste se as famílias tiveram perda de emprego”.
É digna de aplausos a forma madura com que estes atores vêm reagindo na busca por entendimentos. Mas a que custo? Quanta energia não tem sido despendida para a solução de conflitos? Sem contar a insegurança jurídica, afinal, contratos são feitos para serem cumpridos e não renegociados ainda durante o seu prazo de vigência a cada novo evento adverso.
Desta forma, o surgimento de um índice que melhor retrate a realidade do mercado imobiliário de locações, propondo trazer mais estabilidade e previsibilidade para os reajustes é, em tese, muito bem-vindo. O IVAR carece de alguns aperfeiçoamentos, como aumentar a sua base de dados (apenas quatro capitais entram na sua composição) e terá que passar pelo teste de fogo da aplicabilidade prática.
Como sua implementação não é compulsória, cabendo sua adoção ao bom entendimento entre proprietários, inquilinos e imobiliárias, talvez seja prudente não alterar de súbito as cláusulas de reajuste dos contratos. Se ele será capaz de trazer soluções satisfatórias, o tempo dirá.
Até lá, permanecemos acompanhando. Um mercado imobiliário forte não é feito apenas de bons negócios, mas de relações justas e sustentáveis ao longo do tempo.
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