Uma das últimas edições do The Lancet, de 23 de novembro passado, chamou minha atenção por um relato inusitado. A revista médica de enorme prestígio comenta uma reportagem da imprensa japonesa de poucos meses atrás. Em agosto, uma equipe de limpeza foi chamada para higienização de um apartamento em Kyoto, antiga capital imperial, denunciada pela vizinhança como contendo pilhas de lixo.
Em um dos quartos, a equipe encontrou o que supôs fosse um esqueleto de laboratório de ciências enfurnado em uma pilha de cobertores. Qual a surpresa ao investigar e descobrir que se tratava do antigo morador do apartamento, que era dado como desaparecido pela família havia simplesmente dez anos...
Essa história triste inicia o editorial "Japan's lonely deaths: a social epidemic" ("Mortes solitárias do Japão: uma epidemia social", em tradução livre).
Aproximadamente 40 mil pessoas morreram sozinhas em casa no Japão na primeira metade de 2024. As mortes solitárias se tornaram uma epidemia social. São chamadas kodokushi, e, segundo a polícia, cerca de 40% são achados em 24h, cerca de 4 mil são encontrados mais de um mês após a morte e mais de 100 demoram mais de um ano para terem a morte noticiada.
Embora, paradoxalmente, a sabedoria da velhice seja bastante respeitada na cultura japonesa, há uma tempestade perfeita por trás dessas mortes solitárias. Em primeiro lugar, a população idosa japonesa é, em termos percentuais, uma das mais numerosas do mundo. Também está ocorrendo uma queda nas taxas de casamento e aumento de divórcios nos casais japoneses mais jovens.
Esses fenômenos aumentaram o isolamento, com cerca de 38% das casas tendo somente um ocupante: Segundo o Instituto Nacional de Pesquisa em Seguridade Social e Populacional, esse número de casas com ocupantes únicos atingirá 44,3% em 2050. Esse mesmo instituto projeta, para 2050, 10,8 milhões de idosos vivendo sozinhos.
Também tem aumentado a taxa de divórcios em idosos, o que os japoneses chamam de "jukunen rikon", o divórcio cinza. Autoridades japonesas têm buscado formas de combater o isolamento na velhice e estimular interações e atividades de convivência. Incentivos financeiros foram criados para autoridades locais estruturarem salões comunitários, os kayoi-no-ba.
Esses são relatos de um país rico. Fico pensando no nosso Brasil, onde a população de idosos aumenta rapidamente. Precisamos investir em atividades e programas para criar interações sociais para nossos idosos em suas comunidades. Que tal neste Natal procurar aquele amigo ou parente idoso mais solitário que mora sozinho?
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