Empresário, vice-presidente da CNI e presidente do Copin (Conselho de Política Industrial da CNI). Foi presidente da Findes. Neste espaço, aborda economia, inovação, infraestrutura e ambiente de negócios.

Desilusão ou esperança? Sonhar não custa nada

Todo novo ano traz consigo a esperança. Por força da profissão, nós empresários somos otimistas, mas também temos clareza para analisar os fatos e as tendências

Publicado em 21/12/2024 às 23h00

Chegamos ao fim de 2024 com a sensação de que merecíamos um presente melhor neste Natal. Parecia possível: colhemos bons indicadores na economia, com PIB crescendo acima do esperado desemprego em baixa. Mas a maneira como está sendo conduzindo o debate nacional sobre o ajuste fiscal, com um discurso negacionista que contraria a ciência econômica, levanta incertezas sobre a sustentabilidade desse crescimento. Vem aí um novo voo de galinha? Vamos ver.

Temos alguns bons motivos para comemorar. O país finalmente adotou uma política de desenvolvimento que valoriza a indústria nacional como agente central do crescimento econômico e da geração de empregos de alta renda, a exemplo do que já fazem as economias desenvolvidas no mundo todo.

Lançada em janeiro, a NIB – Nova Indústria Brasil traz a indústria como meio para superarmos desafios atuais da sociedade, dando centralidade ao setor industrial para alcançarmos um crescimento sustentável de médio prazo. A NIB tem por ambição construir um ambiente que viabilize uma indústria mais exportadora, mais inovadora, mais produtiva e mais verde.

Também conseguimos aprovar na semana passada a reforma tributária, após um debate de mais de três décadas, para simplificar o que era considerado o pior sistema tributário do mundo. O projeto aprovado pela Câmara dos Deputados regulamenta agora a implementação dos novos Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que para o cidadão vai significar um único tributo, chamado de IVA Dual.

Com isso, superamos o sistema atual, considerado ultrapassado, regressivo, cumulativo e distorcido, sendo apontado como um dos grandes fatores de desestímulo aos investimentos no país. A aprovação da reforma foi uma excelente notícia.

No fim do ano, contudo, fomos tomados por um debate quase surreal sobre o ajuste fiscal e o endividamento do país, com autoridades de Brasília atacando a alta dos juros e do dólar, como se a reação do Banco Central e do mercado não fosse uma resposta natural aos sinais ambíguos emitidos pelo próprio Executivo na condução do equilíbrio fiscal. Ressaltamos que, nesse quesito, o Executivo forma um consórcio com os demais poderes para usurpar os sonhos futuros da sociedade brasileira, sufocando o seu potencial de crescimento.

Há praticamente dez anos o país opera com déficit nas contas públicas. A conceituada Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado apontou em recente estudo que a dívida bruta do governo geral, que inclui todos os poderes da União, Estados e municípios, deve chegar a 80% do PIB neste ano, com tendência de alta.

Câmara dos Deputados aprovou texto-base do novo arcabouço fiscal
Câmara dos Deputados . Crédito: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

As estatais são um capítulo à parte. A partir do governo Temer elas passaram por um período de saneamento. Neste ano, porém, voltaram a acumular prejuízo, com projeção de fechar o ano com R$ 3,7 bilhões no vermelho, o pior resultado em dez anos. Há pelo menos 17 estatais que dependem do dinheiro do contribuinte para sobreviver. Elas poderiam ser privatizadas ou extintas, mas as autoridades de Brasília parecem não se importar com resultados.

O pacote fiscal enviado pelo governo ao Congresso nesta reta final de ano foi visto como insuficiente para conter a sangria. Com o crescente endividamento e a notória dificuldade do país de cortar gastos, o resultado é a desconfiança, a alta do dólar e dos juros e a revisão de expectativas futuras.

O país parece estar num processo de autossabotagem. No conturbado debate sobre o tema, há um falso dilema entre promover o ajuste fiscal e atender as demandas sociais de saúde, educação e segurança, como se fosse uma escolha. Não é: não há política social possível sem lastro em orçamento equilibrado. Endividamento irresponsável leva à inflação e à queda do PIB, prejudicando justamente os mais pobres, como já vimos em 2014, por sinal.

Há quatro anos o país sofreu as consequências do negacionismo no combate à pandemia. Agora, sofre com o negacionismo na condução da economia, com autoridades de Brasília ignorando o crescente déficit público e atacando agentes do mercado e a independência do Banco Central, um dos avanços institucionais mais importantes dos últimos anos. Será que ignoram como realmente funciona a economia ou seria cálculo político?

Ajuste fiscal não significa somente reduzir o déficit, significa também reduzir o desperdício e gastar de forma mais racional. Poderíamos chegar ao fim do ano comemorando bons resultados na economia, mas a irresponsabilidade de nossas lideranças na condução do ajuste acabou ofuscando os indicadores positivos.

Com o negacionismo econômico atual, estamos colocando em risco todas as conquistas dos últimos três ou quatro anos. O país deve crescer em torno de 3,5% neste ano, mas para o ano que vem o Banco Central já estima um desempenho de 2%. Mais uma vez corremos o risco do voo de galinha: crescemos por dois ou três anos, mas por omissão e falta de pulso de nossas autoridades, infelizmente esse crescimento não se sustenta e a economia perde fôlego.

Ainda há tempo para mudar esse quadro, se o atual líder do país, Lula da Silva, tiver responsabilidade. Capital politico ele acumulou ao longo dos anos, por que jogar isso fora agora? Por que passar para a história como um inconsequente que, ao invés de liderar os brasileiros para um caminho mais próspero, escolhe o caminho fácil do populismo fiscal, comprometendo o nosso futuro? Difícil de compreender.

Todo novo ano traz consigo a esperança. Por força da profissão, nós empresários somos otimistas, mas também temos clareza para analisar os fatos e as tendências. Vamos agudar os próximos atos, com a maior boa fé e esperança de uma guinada pró-Brasil.

Paulinho da Mocidade compôs em 1992 o samba “Sonhar não custa nada”. A Mocidade não foi campeã, mas o samba virou um hino. Tomara que consigamos construir uma virada e também fazer um 2025 de prosperidade e crescimento.

Vamos acreditar! Feliz Natal e feliz 2025!

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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