20 de março de 2020. Guardemos esta data. Na última sexta-feira, o comandante-geral do Corpo de Bombeiros do Espírito Santo, coronel Alexandre dos Santos Cerqueira, tomou uma decisão administrativa histórica: ele impediu a apropriação (ilegítima) do aparelho do Estado por um grupo que nem de longe precisa das benesses do Poder. Pelo simples fato que esse grupo já integra um dos Poderes; no caso, o Judiciário.
Explicando melhor. O coronel Cerqueira, em um comunicado interno, objetivo e polido, respondia nessa data ao tenente-coronel Washington Ferreira Dias, membro da Comissão de Segurança do Tribunal de Justiça (TJ), que não poderia ceder uma unidade móvel de resgate dos Bombeiros “para atendimento do MAGISTRADO (foi assim no original enviado pela Comissão) que venha a necessitar de AJUDA para deslocamento de sua residência para um hospital, no CASO de contaminação com o novo coronavírus”.
Sim, é isso mesmo: a Comissão do TJ queria uma ambulância exclusiva dos Bombeiros para ficar à disposição dos magistrados. O comandante-geral da corporação informou ao tenente-coronel (este integrante também do Corpo de Bombeiros) que a ambulância solicitada pela Comissão de Segurança do TJ, por óbvio, está disponível para atender, durante o período da pandemia do coronavírus, as ocorrências de traumas e as parturientes.
Vazados os documentos, a indignação explodiu nas redes sociais e em grupos de WhatsApp. Muitos nem acreditavam que, no momento em que o Estado e o país vivem uma ameaça de convulsão social por causa da Covid-19, um pedido dessa natureza fosse feito, como se legítimo fosse.
Em ofício expedido hoje (27) ao Comando-Geral dos Bombeiros, o desembargador Robson Luiz Albanez, supervisor da Comissão de Segurança Institucional do TJES, reconhece a gravidade da situação, a necessidade de atendimento de toda a população e informa que desiste do pedido.
À reportagem de A Gazeta, a presidência do Tribunal de Justiça alega que a iniciativa de pedir uma ambulância exclusiva para os magistrados não partiu da administração ou da mesa diretora. “E que a demanda em questão não reflete a posição do Poder Judiciário do Espírito Santo”, diz em nota o TJ. Melhor assim.
Estamos vivendo uma tragédia de proporções ainda desconhecidas. A economia está parada, trabalhadores estão sendo demitidos, empresas são obrigadas a fechar, e os governos, especialmente o federal, ainda não se mostram capazes de criar políticas públicas de enfrentamento da hecatombe.
Que pelo menos essa pandemia nos leve a refletir: que Estado e sociedade queremos construir daqui pra frente? Queremos continuar sendo um país de poucos privilegiados ou vamos levar vida digna aos milhões de brasileiros e integrá-los, finalmente, à sociedade moderna, próspera e justa que tanto almejamos?
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Vamos seguir o exemplo corajoso do comandante-geral dos Bombeiros, que defendeu a dignidade humana e os princípios republicanos do Estado, ou vamos agir como a Comissão de Segurança do Tribunal de Justiça e solicitar privilégios? Até quando o nosso país vai continuar agonizando na ambulância?
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