Ao contrário do que houve em 2019, quando a criação de 307 cargos comissionados no Ministério Público do Espírito Santo (MPES) causou muito barulho e virou uma novela, a aprovação de 778 vagas para servidores efetivos na instituição – para compensar o inchaço de comissionados – foi um capítulo curto.
A Assembleia Legislativa aprovou, na segunda-feira (26), dois projetos enviados pela procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade. Os textos haviam sido protocolados no mesmo dia, horas antes. O governador Renato Casagrande (PSB) já sancionou as leis.
A agilidade se deu, justamente, para evitar debates como os que ocorreram na Assembleia e na imprensa quatro anos atrás.
Nos bastidores, como a coluna mostrou, o objetivo da Lei 11.849, publicada no Diário Oficial desta quarta (28), é se antecipar a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que já formou maioria para considerar inconstitucional a desproporcionalidade entre o número de cargos comissionados e efetivos no MPES.
Os 778 cargos efetivos não vão ser preenchidos de imediato. Trata-se apenas de uma adequação jurídica, no papel, para que a instituição evite uma derrota jurídica e política. A Assembleia e o governador colaboraram com a estratégia.
A ONG Transparência Capixaba, por sua vez, apoiou a criação das vagas, como registrou reportagem da TV Gazeta, apesar da pouca transparência envolvida no trâmite relâmpago da proposta.
À parte tudo isso, a Lei 11.849 e a Lei Complementar 1.047, também de autoria do MPES e sancionada nesta quarta, estabelecem alterações diversas no Ministério Público do Espírito Santo, que vão muito além da criação de cargos.
Muitas delas são positivas e até inovadoras.
A lei complementar, por exemplo, amplia o rol de fontes de recursos para o fundo da instituição. Entre elas estão valores oriundos de crédito de carbono e os provenientes de venda de resíduos sólidos.
Outra alteração é que o dinheiro do fundo vai poder ser usado para contratar não apenas estagiários, mas residentes.
É que foi criado um Programa de Residência no MPES, a ser regulamentado pela Procuradoria-Geral de Justiça.
O intento é o de "contribuir para a capacitação de profissionais e para o desenvolvimento de habilidades técnicas e práticas que serão fundamentais para atuação institucional em prol da sociedade, com fundamento em jurisprudência do STF e em normativas do Conselho Nacional do Ministério Público", conforme escreveu Luciana Andrade na justificativa do projeto.
GRATIFICÃO REAJUSTADA
O valor da gratificação paga a quem exerce a função de promotor de Justiça chefe foi reajustado. Até a publicação da lei, apenas os que atuavam em Cariacica, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória recebiam verba extra correspondente a 10% do salário.
O percentual destinado aos promotores de Justiça chefe no interior do Espírito Santo era de 6% a 8%. Agora, todos vão receber gratificação de 10%.
GRATIFICAÇÕES NÃO INCORPORADAS
As gratificações por exercício de função, seja a de promotor chefe, procurador-geral de Justiça ou subprocurador-geral de Justiça, não vão mais ser incorporadas aos salários dos membros do Ministério Público.
Antes, mesmo após deixar essas funções, eles continuavam recebendo a verba extra. Isso foi questionado no STF. Assim, o MPES se adequa, antes que os ministros do Supremo decidam que a permanência do pagamento era irregular.
OUVIDORIA
A Ouvidoria ganhou mais importância e projeção, elevada a órgão de administração, menos dependente da Procuradoria-Geral de Justiça. E foi criado o cargo comissionado de subouvidor-geral.
A Ouvidoria, nos termos da lei, "é órgão destinado a contribuir para a elevação dos padrões de transparência, eficiência, presteza e segurança das atividades de membros, servidores e unidades do Ministério Público". Cabe à repartição, entre outras coisas, "receber reclamações e representações de qualquer interessado contra membros, servidores ou unidades do Ministério Público".
TRANSAÇÃO DISCIPLINAR
As novas normas também adaptam a Lei Orgânica do Ministério Público do Espírito Santo à aplicação da transação disciplinar, que é uma medida alternativa à instauração de processo administrativo disciplinar, para casos de faltas funcionais menos graves.
Caberá ao Colégio de Procuradores "firmar transação disciplinar em face de subprocurador-geral de Justiça, corregedor-geral do Ministério Público, subcorregedor-geral do Ministério Público, ouvidor do Ministério Público e subouvidor do Ministério Público".
CORREGEDORIA
A Corregedoria do MPES foi empoderada, digamos assim. Ela vai poder acionar o Colégio de Procuradores a se manifestar sobre assuntos de interesse institucional, o que até então cabia apenas à Procuradoria-Geral ou a um quarto dos membros do próprio colegiado.
O órgão foi fortalecido ainda com a atuação de promotores de Justiça corregedores, que devem ter ao menos dez anos de exercício na função – antes bastava terem adquirido vitaliciedade, o que ocorre após dois anos no cargo.
Esses promotores "auxiliarão a Corregedoria-Geral em inspeções e correições".
LICENÇA-PATERNIDADE E CASOS DE ADOÇÃO
Os membros do Ministério Público passam a ter 20 dias de licença-paternidade, que até então era de apenas cinco dias.
E a licença-maternidade, de 180 dias, passa a ser contada "a partir do nascimento ou da alta hospitalar da criança, o que ocorrer por último". Antes, era preciso apresentar atestado médico para começar a contar o prazo.
O membro do MPES que adotar uma criança agora tem direito a licença remunerada de 180 dias, "para ajustamento do adotado ao novo lar".
Pela regra anterior, a licença era concedida a "promotora ou procuradora", ou seja, somente a mulheres, e apenas se a criança adotada tivesse menos de um ano. Se a idade fosse superior, a licença era de 60 dias.
"Quando ocorrer a adoção ou a guarda judicial por casal, em que ambos sejam membros ou servidores públicos, somente um terá direito à licença, podendo, no entanto, partilharem o período entre eles", estabelece a lei.
O envio dos projetos de lei à Assembleia ocorreu em meio à necessidade de adequação frente à iminente derrota que a administração superior do MPES sofreria no Supremo, devido à desproporcionalidade entre a quantidade de cargos comissionados e efetivos na instituição, 512 e 517, respectivamente, e à incorporação de gratificações aos salários dos membros.
Mas os outros pontos da reforma nada têm a ver com isso.
"A procuradora aproveitou para fazer algumas alterações e modernizações necessárias", avaliou um deputado estadual que viu a apresentação dos textos feita por Luciana Andrade aos parlamentares poucas horas antes da votação na Assembleia.
No que tange às licenças paternidade, maternidade e em casos de adoção, são alterações muito bem-vindas. As regras anteriores estavam defasadas.
A autonomia dada à Ouvidoria e o empoderamento da Corregedoria também são positivos, diminuem a burocracia e deixam os procedimentos mais claros.
A instituição da transação disciplinar, para irregularidades mais leves, é preciso ver como vai se dar, na prática. Mas já há essa proposta no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) mesmo.
Já o reajuste das gratificações para promotores chefes que atuam no interior do estado vêm em momento-chave, um ano pré-eleitoral.
Em 2024, o comando do MPES vai estar em disputa e as movimentações relativas ao pleito já começaram. Luciana Andrade, que já está no segundo mandato consecutivo, não vai tentar a reeleição, mas o grupo dela deve lançar um nome.
Quem vota são os promotores e procuradores de Justiça. Os três mais votados compõem uma lista. Cabe ao governador definir, entre esses, quem vai ser o novo procurador ou nova procuradora-geral.
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