A terça-feira (11) foi sombria em Vitória, com um ônibus metralhado, outros incendiados e a população amedrontada. É, essencialmente, um assunto da editoria de Polícia. Fatalmente, entretanto, vai reverberar na campanha eleitoral.
Aliás, isso começou a ocorrer horas após os ataques perpetrados por criminosos em retaliação à morte do segurança de um traficante, em ação da polícia.
O tema Segurança Pública, obviamente, é um dos principais a serem debatidos no segundo turno, em que o comando do Palácio Anchieta é disputado pelo governador Renato Casagrande (PSB) e pelo ex-deputado federal Carlos Manato (PL).
Apesar da queda da taxa de homicídios, os feminicídios – quando mulheres são mortas apenas por serem mulheres, por "companheiros" ou ex-companheiros, via de regra – chamam a atenção.
O ataque coordenado desta terça-feira, que começou na região dos bairros Bonfim e Da Penha, nem se fala.
O assunto tem, sim, que ser tratado na campanha. Com seriedade, sem espetacularização e sem a apresentação de soluções fáceis que, na prática, não são soluções.
Para além do que deveria ser, vamos aos fatos.
É lógico que, numa situação dessas, os holofotes se voltam para quem está no poder, que tem a capacidade prática de fazer algo a respeito.
A morte do criminoso que foi o estopim de tudo ocorreu na noite de segunda-feira (10). Na manhã desta terça, o primeiro ônibus foi atacado, com tiros.
Ao longo do dia, ao menos outros seis foram queimados. Além de um carro da TV Tribuna.
Ao meio-dia e meia, um perfil no Twitter que se apresenta como porta-voz do PCV, Primeiro Comando de Vitória, mandou um estranho recado:
"O dia estar apenas começando governador não esqueça que estamos em todos os municípios do estado (sic)".
O perfil existe desde 2018 e, claro, é anônimo. A Secretaria de Segurança Pública, de acordo com o que a coluna apurou, já está de olho na página, mas o Twitter não revela a identidade de quem está por trás da conta.
É comum que criminosos provoquem facções rivais ou a polícia. Desta vez, em meio ao segundo turno, resolveram colocar o chefe do Executivo no alvo.
A própria campanha de Casagrande, no fim da tarde, entretanto, deu munição aos adversários. Não aos do PCV, mas aos que se opõem politicamente ao socialista.
Uma reunião com vereadores de todos os municípios do Espírito Santo já estava agendada para 14h desta terça. Um evento de campanha.
Às 17h16, quando já havia um ônibus metralhado e dois queimados, além do carro da imprensa, a conta no Twitter de Casagrande achou por bem publicar:
"Reunião cheia em Cariacica hoje, quando recebi a energia dos vereadores capixabas em apoio à nossa candidatura. Tinha gente de todos os municípios do Estado e eles voltaram pra casa com nosso material de campanha e empenhados pra garantir a vitória do 40!".
O texto veio acompanhado da foto do governador diante dos parlamentares municipais. Certamente deu trabalho para que todos se deslocassem até a Grande Vitória, mas, diante de uma situação emergencial, de segurança pública, será que os vereadores não compreenderiam se o governador se ausentasse?
O vice na chapa, Ricardo Ferraço (PSDB), que passou a ganhar mais protagonismo, não poderia ter assumido a agenda?
"Na parte da tarde tive uma reunião com vereadores, mas depois fiquei tratando dessa questão da segurança, até agora (por volta de 20h). Essa é a prioridade. Eu sou governador, antes de ser candidato a governador", afirmou Casagrande, em entrevista exclusiva à coluna.
Antes de tuitar sobre o encontro com os vereadores, o governador já havia se manifestado sobre os episódios de violência:
"Os ataques em retaliação às ações da PM, que atua com rigor no combate ao crime, não intimidarão as nossas forças de segurança. Nossos Policiais continuarão agindo e defendendo a nossa população. Qualquer tentativa de intimidação será combatida imediatamente", escreveu, na mesma rede social, às 15h31.
Ao longo do dia, Casagrande subiu o tom. “Bandido não vai se criar aqui", afirmou, em entrevista coletiva na Secretaria de Segurança Pública.
"Infelizmente, a gente tem que assistir lideranças políticas, de forma leviana, tentando usar esse fato para um interesse eleitoral, pessoas que deviam estar ajudando no enfrentamento ao crime tentam tirar só proveito da cena do crime", criticou, em vídeo postado nas redes sociais no fim da noite, com o título "Vamos prender um a um".
A referência é a prender os criminosos responsáveis pelos ataques – dez já foram detidos – e não os adversários.
É essa questão eleitoral que mais nos interessa aqui.
Manato demorou a se manifestar, mas seus aliados o fizeram sem muita cerimônia. O ex-prefeito da Serra Audifax Barcelos foi um dos primeiros, de forma comedida: "Essa insegurança é extremamente preocupante", registrou, no Instagram.
O senador eleito Magno Malta (PL) foi às redes sociais exortar Casagrande a pedir o apoio da Força Nacional. "Bandido teve tão passa a mão, passa pano, em bandido ... desarma a sociedade e arma o bandido e olha no que deu".
Manato compartilhou o vídeo de Magno. Os dois são apoiados pela associação armamentista ProArmas.
Como a coluna já registrou, não raramente, as armas compradas de forma legal, graças à flexibilização garantida pelo governo Bolsonaro, têm ido parar nas mãos de criminosos. Eles até usam CACs (Colecionador, Atirador esportivo e Caçador) como laranjas.
Mas, enfim, Magno portou-se como um opositor de Casagrande, que é o que ele é, legitimamente. O ex-senador participa, no segundo turno de forma mais ativa, da campanha do candidato do PL ao governo.
A coordenação da campanha de Manato já havia enviado um comunicado informando que agia em parceria com o senador eleito:
"Diante do terror vivido pelo povo capixaba nesta terça-feira (11), em plena capital do nosso Estado, Manato, candidato ao governo, já acionou o senador eleito, Magno Malta, para intermediar uma reunião emergencial com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Gustavo Torres".
O ministro foi ao Twitter dizer o seguinte: "Inadmissível os crimes e a destruição dos ônibus hoje no Espírito Santo. Desde já coloco as Forças Federais à disposição para auxiliar no q for necessário (sic)". Manato é o candidato apoiado por Bolsonaro no estado.
O vereador de Vitória e deputado federal eleito Gilvan da Federal (PL) apareceu em vídeo com um ônibus pegando fogo ao fundo dizendo que "o governador só se preocupa com a reeleição". Lembrou da reunião de Casagrande com parlamentares municipais.
Gilvan também integra a campanha de Manato.
O prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos), que não chega a ser uma pessoa próxima ao candidato do PL, mas é um opositor do governador, não deixou a oportunidade passar.
"Sentimos falta das demais autoridades, muita gente envolvida em outras atividades, atividades políticas, no dia de hoje. Lamentamos. Enquanto o Espírito Santo passa por esse momento tão difícil, infelizmente alguns se omitem, não estão presentes", afirmou, também em vídeo, sem citar o nome de Casagrande.
Em entrevista à coluna, o governador minimizou o provável desgaste eleitoral gerado pelo episódio. "As pessoas sabem a complexidade que é a área da segurança pública. Muita gente tenta tirar proveito de ambiente de violência, mas o cidadão e a cidadã têm inteligência para saber a complexidade que é o enfrentamento ao crime e estão vendo o esforço das forças de segurança. Então não causa efeito negativo no debate eleitoral", avaliou.
Há controvérsias.
Os aliados do socialista reagiram aos opositores, a exemplo da vereadora de Vitória Camila Valadão (PSol), eleita deputada estadual.
"A oposição ao atual governo coloca colete à prova de balas e sai na rua para gravar conflito 'promovido pelo crime' (Pazolini apareceu de colete). Esses políticos fazem ainda live (transmissão ao vivo nas redes sociais) na área de 'conflito' para demonstrar o descontrole do ES", enumerou.
"Começam também a reivindicar intervenção no ES como solução. Tudo isso no meio do segundo turno das eleições. Hummmm", complementou a deputada eleita, com ar desconfiado.
"Falando em bandidos, é importante alertar a população do nosso Estado, que não se deixem enganar com políticos oportunistas que querem surfar nessa onda, se apresentando como 'salvadores'. Esses são covardes e oportunistas que também combateremos com veemência", retrucou o também deputado estadual eleito Tyago Hoffmann (PSB).
O CASO DE SANTA LEOPOLDINA
Quando do episódio do "novo cangaço", o assalto a bancos em Santa Leopoldina no fim de setembro, o governador usou o caso como trunfo eleitoral.
Cinco suspeitos foram mortos pela polícia. E o desfecho foi mencionado no horário eleitoral do socialista.
Ele frisou que a quadrilha havia sido rapidamente "desmantelada". Assim, possivelmente, antecipou-se a críticas que adversários poderiam fazer.
Desta vez, ele espera que a polícia também chegue aos responsáveis pelos ataques em Vitória o mais rápido possível.
Usar esses confrontos como "troféu" dialoga com os apoiadores do "bandido bom é bandido morto" (embora eles defendam apenas a morte de alguns bandidos), que estão, certamente, entre os eleitores do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Casagrande foi o mais votado no primeiro turno. Bolsonaro, no estado, também.
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