Por 11 votos a 2, a Câmara de Vitória decidiu, nesta quarta-feira (3), arquivar o processo de cassação contra o vereador Armandinho Fontoura (sem partido). Não foi uma avaliação de mérito, ou seja, os vereadores não decidiram se o colega deveria ou não perder o mandato, apenas entenderam que a Corregedoria da Casa perdeu o prazo para definir o destino do parlamentar.
A defesa de Armandinho, feita pelo advogado Fernando Dilen, argumentou que tempo demais já havia passado, o que configura ilegaldidade. Parecer da Procuradoria da Câmara datado de terça-feira (2) concluiu que a representação contra o vereador deveria ter sido julgada em até 90 dias após a notificação do acusado. Passaram-se 10 meses e 23 dias e, até agora, nada.
O vereador continua afastado do mandato por decisão judicial, mas livrou-se de um problemão na Câmara.
Apenas Karla Coser (PT), que foi relatora do processo de cassação, e André Moreira (PSOL) votaram contra o arquivamento.
O presidente da Casa legislativa, Leandro Piquet (PP), absteve-se, como determina o regimento interno. A decisão de arquivamento foi dele, seguindo orientação da Procuradoria, e, depois, confirmada pelo plenário.
Chico Hosken (Podemos), que ocupa como suplente a vaga de Armandinho, não votou.
Karla considerou que a decisão foi política e renunciou à função de corregedora.
O colegiado sofreu outra baixa recente, a do vereador Luiz Emanuel (Republicanos), substituído, nesta quarta, por Maurício Leite (Cidadania).
O corregedor-geral é Leonardo Monjardim (Novo).
O relatório de Karla era pela cassação de Armandinho. Se esse fosse o entendimento da maioria da Câmara, o parlamentar ficaria inelegível por oito anos.
A ACUSAÇÃO
A representação, por quebra de decoro parlamentar, foi protocolada por Sandro Luiz da Rocha, um morador de Vitória que, depois, negou ser o autor do pedido, uma história bastante tumultuada.
O documento apontou que Armandinho "caluniou, injuriou e difamou diversas pessoas, dentre as quais membros do Poder Judiciário e do Ministério Público".
Desde dezembro de 2022, o vereador, eleito pelo Podemos em 2020, estava preso preventivamente, por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele é acusado, pelo Ministério Público Estadual (MPES), de integrar uma "milícia digital", com o objetivo de desestabilizar as instituições da República.
Armandinho passou um ano na cadeia, foi solto em dezembro de 2023 após decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, o mesmo que havia determinado a prisão preventiva.
O vereador afastado tem que usar tornozeleira eletrônica e cumprir algumas medidas cautelares, não pode sair do país, usar redes sociais nem se comunicar com outros investigados, por exemplo.
Armandinho foi afastado do mandato por determinação de Moraes e por duas decisões da Justiça estadual e isso continua valendo.
O mandato dele termina em 31 de dezembro de 2024. Como não teve os direitos políticos suspensos, ele pode se candidatar nas eleições municipais de outubro e vai até se filiar ao PL nesta quinta-feira (4).
Uma análise preliminar da Polícia Federal em materiais apreendidos em endereços ligados ao parlamentar não encontrou indícios de crimes.
O vereador, entretanto, permanece como investigado no "Inquérito das Fake News", que tramita no Supremo, e responde a ações no Judiciário capixaba.
O PRAZO
Paralelamente a isso, Armandinho enfrentava, até agora, o processo de cassação na Câmara.
O recente parecer da Procuradoria da Casa registrou que "a competência para legislar sobre a referida matéria (cassação de mandato) é privativa da União".
"Para que não existam processos de cassação tramitando ad aeternum ou por tempo indefinido, o legislador federal determinou que o processo de cassação de vereador deve transcorrer em até noventa dias, contados da data da notificação do acusado", diz o documento, assinado pelo procurador-geral, Swlivan Manola.
Já tem sete meses que o prazo de 90 dias se encerrou.
O processo tramitava a passos lentos na Câmara de Vitória. Para começar, houve a questão da autoria da representação, contestada pelo próprio autor, e a dificuldade de a relatora de obter as peças do inquérito que tramita no STF, que é sigiloso.
Após o relatório ter sido apresentado, faltava o corregedor-geral pautar a votação na Corregedoria, o que não ocorreu. Por fim, ainda houve a renúncia de Luiz Emanuel como integrante do grupo, paralisando algo que já estava parado.
ENTRELINHAS
Mesmo considerando tudo isso, a demora foi excessiva e a decisão de arquivamento, ainda que embasada em um parecer técnico, é, sim, uma saída política.
Se o processo contra Armandinho na Câmara andava lentamente, o mesmo se pode dizer das investigações em relação a ele no "Inquérito das Fake News".
A análise do material apreendido, por exemplo, demorou muito para começar. O inquérito no STF é gigante e abarca diversas pessoas.
Aparentemente, os investigados capixabas ou radicados no Espírito Santo não estão entre as prioridades da Corte Suprema.
Não há denúncia do Ministério Público, ou seja, Armandinho nem é réu, não responde a uma ação propriamente dita no STF.
O relatório preliminar da PF, que não encontrou provas de crimes, pesou a favor do vereador.
E se a Câmara decidisse cassar o mandato de Armandinho e depois ele nem estivesse entre os denunciados a partir do Inquérito das Fake News?
Por outro lado, se os vereadores o absolvessem e, em seguida, ele fosse indiciado no inquérito e denunciado? Ou condenado em alguma ação na Justiça capixaba relacionada às acusações constantes na representação avaliada pela Corregedoria?
O "arquivamento da representação oriunda do processo por esgotamento do prazo decadencial nonagesimal", como propôs o procurador-geral da Câmara, foi uma forma de evitar qualquer uma dessas situações.
Se fosse apenas devido ao prazo mesmo, por que não houve o arquivamento sete meses atrás?
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