O colega Leonel Ximenes destacou, no último dia 10, duas homilias diametralmente opostas que assinalaram uma divisão na Igreja Católica no Espírito Santo.
Uma, proferida pelo padre Anderson Gomes, na Praia da Costa, Vila Velha, e outra pelo padre Kelder Brandão, em Itararé, Vitória.
Nenhum dos religiosos mencionou o candidato de sua preferência nas eleições de 2022. Mas, em outras palavras, a situação ficou evidente.
“Se eu não perdoar, eu vou votar na emoção. A gente vota por gostar de alguém, e agora o gosto e a repulsa estão predominantes. Não vá por esse quesito. Perdoe”, aconselhou padre Anderson, no altar, diante dos fiéis.
“Perdoar o quê? Ou você perdoa um ladrão que não cumpriu sua pena e está solto injustamente, ou você perdoa um cara destemperado, rude e sem postura. Para mim, ambos não representam a imagem de Deus. Então tenho que perdoá-los”, pregou o pároco da Praia da Costa.
“Por isso peço a vocês para para ponderar quando for escolher seu candidato. (...) Um tem uma moral libertadora, que permite muita coisa, ideologia de gênero, drogas, aborto… Outro é de uma moral mais conservadora. Um tem relação com outros países totalitários, outro com países mais abertos”, afirmou padre Anderson, repetindo desinformação da cartilha bolsonarista.
VICARIATOS
Além de pároco da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo socorro, no bairro nobre de Vila Velha, o religioso também é responsável pelo vicariato de Comunicação da Arquidiocese de Vitória.
Há dois vicariatos. O outro é o de Ação Social, Política e Ecumênica, que fica a cargo do padre Kelder.
“É lamentável que o povo, em vez de discutir qual será o melhor projeto para a nação, acredite em mentiras sobre comunismo, aborto, satanismo e outras baboseiras criadas para desviar a atenção dos problemas reais que devem ser enfrentados politicamente como a fome, a violência, o desemprego, a falta de moradia, educação, saúde e outras necessidades reais à dignidade do povo, que fere de morte os pobres, noite e dia”, afirmou o sacerdote de Itararé, em homilia.
Kelder Brandão também destrinchou, na avaliação dele, os projetos que estão em questão nas urnas:
“Um é de reconstrução da nação, através de políticas públicas de moradia, distribuição de renda, geração de emprego, educação, saúde, meio ambiente, respeitando os direitos, liberdades e garantias individuais e das minorias sociais e o outro é de desconstrução da vida, da dignidade alheia, das instituições que garantem a democracia, de destruição do meio ambiente, de armamento da população, de fortalecimento do racismo, do machismo e outras ações de negação da vida e da dignidade alheia”.
Pois bem.
Carta assinada pelos bispos do Espírito Santo, inclusive o arcebispo metropolitano Dom Dario Campos, mostra que, entre as duas visões políticas e religiosas, a cúpula da Igreja Católica no Espírito Santo aproxima-se mais do padre Kelder que do padre Anderson.
O texto, datado desta quinta-feira (20), traz orientações aos fiéis sobre o segundo turno das eleições no estado.
Não cita o nome de nenhum candidato ao Palácio Anchieta, nem Renato Casagrande (PSB) nem Manato (PL).
"As mentiras sobre fechamento de Igrejas, o medo, o ódio e a violência política que são disseminadas pelas ruas e pelas mídias sociais não podem calar a verdade do empobrecimento e da fome que a realidade nos mostra, orientando, assim, o agir e o voto dos cristãos", diz um trecho da carta.
"Não podemos admitir que o nosso Estado retroceda na garantia de direitos, na confiança e seriedade das instituições, no combate a toda forma de violência que provoca tanto prejuízo, dor e sofrimento ao povo, principalmente aos pequenos e empobrecidos", segue o texto assinado pelos religiosos.
As menções aos pobres e o repúdio ao ódio, que tanto têm irritado bolsonaristas em igrejas pelo Brasil – pois veem nisso pedidos indiretos de votos para o ex-presidente Lula (PT) – aparecem na exortação dos bispos do Espírito Santo.
A bem da verdade, o que tem sido o estopim para ataques verbais a padres pelo país é quando os religiosos pregam contra o armamento da população. O governo Bolsonaro flexibilizou o acesso a armas de fogo.
No dia da padroeira do Brasil, por exemplo, Dom Orlando Brandes, arcebispo de Aparecida, afirmou que “pátria amada não pode ser pátria armada”.
A Igreja Católica foi levada ao centro da disputa política, até então protagonizada pelos evangélicos.
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) vaiaram religiosos, beberam cerveja e atacaram profissionais da TV Aparecida, que pertence à Igreja, em meio à festa religiosa em homenagem à santa.
Foi a "senha" para que episódios similares fossem repetidos em outros templos católicos.
Padre Anderson, entretanto, não está pregando no deserto. Boa parte dos fiéis da Praia da Costa concorda com ele.
No bairro, Bolsonaro recebeu 70,8% dos votos para a Presidência da República no primeiro turno.
Em Itararé, do padre Kelder, Lula foi o mais votado, mas com uma diferença bem menor: 51,7%.
Considerando todo o Espírito Santo, Bolsonaro chegou a 52% dos votos na primeira etapa do pleito.
O candidato apoiado por ele no estado é Manato. Casagrande declarou voto em Lula, mas não se engajou na campanha do petista.
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