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Juiz do ES vai ser investigado por suspeita de rachadinha

Ex-assessora contou que era obrigada a entregar parte do salário ao magistrado. A defesa dele nega e diz que ela fez os repasses movida por "sentimento de gratidão"

Vitória
Publicado em 17/10/2024 às 18h12
Tribunal de Justiça
Decisão do Tribunal de Justiça (TJES) que determinou a instauração do Processo Administrativo Disciplinar foi unânime. Crédito: Ricardo Medeiros

O juiz Vladson Couto Bittencourt, titular da 3ª Vara da Infância e da Juventude de Vitória, vai ser investigado por suspeita de "rachadinha", a prática de ficar com parte do salário de uma ex-assessora dele. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) decidiu, nesta quinta-feira (17), abrir um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o magistrado para apurar, além disso, se ele delegou a servidoras e à própria filha, que não tem vínculo com o Judiciário, procedimentos que somente poderiam ser executados pelo juiz.

O PAD, após meses de investigação, pode ser arquivado pelo Tribunal ou resultar em uma punição administrativa, que vai de advertência a aposentadoria compulsória com remuneração proporcional ao tempo de serviço.

O desembargador Dair José Bregunce de Oliveira foi sorteado como relator do caso.

Nesta quinta, o corregedor-geral de Justiça, desembargador Willian Silva, propôs a abertura do PAD e considerou que há indícios suficientes para a instauração do processo. No âmbito da Reclamação Disciplinar que levou ao processo administrativo já foi feita uma análise preliminar dos fatos, após o depoimento de testemunhas e do juiz.

TRANSFERÊNCIAS BANCÁRIAS

Uma ex-assessora, que trabalhou por 17 anos com Bittencourt, contou à Corregedoria que foi contratada pelo juiz com a condição de que repassasse parte do salário, valor equivalente ao recebido a título de auxílio-alimentação, ao magistrado e/ou a um amigo dele.

Inicialmente, de acordo com ela, foram realizadas transferências bancárias diretamente para a conta do juiz. Depois, a pedido de Bittencourt, os repasses passaram a ser feitos em dinheiro vivo.

A então assessora ocupava um cargo comissionado, de livre nomeação e exoneração. O sigilo bancário dela foi quebrado, com autorização da própria ex-servidora, e mostra dez transferências, entre junho de 2007 e fevereiro de 2008, para a conta do juiz, logo após o recebimento dos salários, em valores próximos aos pagos pelo Tribunal de Justiça como auxílio-alimentação.

A partir de maio de 2008, valores similares ao que seria equivalente ao benefício foram sacados da conta da assessora dias após o pagamento do salário. Isso foi o que narrou o desembargador Willian Silva ao votar, nesta quinta.

"Segundo ela (a ex-assessora), mesmo após desobrigada pelo magistrado, a exigência do repasse do valor do auxílio-alimentação continuou a ser feita" por um amigo do juiz, "que sabia exatamente quando entrava o dinheiro e a cobrava diretamente, acordo que perdurou por cerca de cinco anos".

O auxílio-alimentação pago aos servidores do Judiciário estadual, na época, era de R$ 519,86. O salário bruto do juiz era de R$ 18 mil.

ASSINATURAS E SENHAS

A outra suspeita a ser investigada no PAD diz respeito a procedimentos que, de acordo com a Corregedoria, caberiam apenas ao juiz realizar, mas ele delegou as tarefas a essa mesma assessora da 3ª Vara da Infância e Juventude de Vitória, a outra da 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Espírito Santo e à própria filha, que não tem vínculo formal com o Poder Judiciário.

Na Reclamação Disciplinar, consta que o magistrado forneceu senhas que possibilitavam que essas pessoas assinassem decisões judiciais no lugar dele, "com plena liberdade".

"A prática estava tão internalizada no cotidiano das unidades judiciárias que todas as testemunhas confirmaram que as assessoras utilizavam o token e a senha do magistrado, inexistindo sigilo ou qualquer constrangimento sobre o fato, ocasionando por vezes a prolação de decisões contrárias ao entendimento do magistrado", afirmou o corregedor-geral, na sessão do Pleno desta quinta-feira.

"CARGA EXTENUANTE DE TRABALHO"

O advogado Vinícius de Souza Sant'Anna fez sustentação oral em defesa de Vladson Couto Bittencourt e rebateu as suspeitas da Corregedoria. De acordo com o advogado, o magistrado forneceu a senha do e-Jud à ex-assessora porque confiava nela e devido a uma "carga extenuante de trabalho", "que lhe demandava muitas vezes fazer incursões fora da unidade judiciária, especialmente nas unidades de internação de menores".

Além de ser titular da 3ª Vara da Infância e Juventude de Vitória, Bittencourt já presidiu, cumulativamente, a 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais.

"Mas ela (a ex-assessora da 3ª Vara) não podia assinar simplesmente o que ela quisesse, como se ela fosse a juíza de fato. Ela assinava estritamente as decisões que o magistrado já tinha corrigido, validado e autorizado a assinatura", afirmou Sant'Anna.

De acordo com a defesa, o juiz tem "dificuldade com as tecnologias".

"ESPÍRITO DE VINGANÇA"

Em relação à prática de rachadinha, o advogado negou que isso tenha ocorrido. Sustentou que a então assessora, voluntariamente, repassava dinheiro ao magistrado, movida por "um sentimento de gratidão".

Os dois, segundo a defesa, eram amigos desde antes da nomeação no cargo comissionado e, nessa época, o juiz ajudava a ex-assessora, "custeando várias despesas dela e das suas filhas. Mensalidades escolares, contas penduradas na cantina do colégio, procedimentos médicos, contas de restaurante, passeios etc".

"Quando a ex-assessora foi nomeada para o cargo comissionado, ela sentiu que tinha uma dívida de honra com o magistrado e decidiu, voluntariamente, lhe devolver a quantia", afirmou Sant'anna.

A mulher, entretanto, contou uma história bem diferente à corregedoria e mostrou os próprios registros bancários para corroborar o que disse, algo que o magistrado não fez.

Para a defesa, a ex-assessora agora agiu com "espírito de vingança" por ter sido exonerada, em abril de 2024.

Naquele mês, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou uma inspeção no Judiciário estadual e ouviu reclamações por parte dos servidores da 3ª Vara da Infância e Juventude de Vitória.

O relatório da inspeção registrou que "a servidora seria rude no trato, não tem disponibilidade para ouvir e é soberba. Ainda, daria ordens e faria solicitações em nome do juiz sem a autorização deste, contribuindo para a desmotivação e adoecimento das equipes de trabalho".

"Tais fatos foram comunicados ao titular da vara que solicitou a exoneração da servidora na mesma semana, razão pela qual não serão orientadas medidas disciplinares", diz ainda o relatório do CNJ.

O corregedor do TJES entendeu que o magistrado não sabia dos supostos episódios de assédio moral na Vara.

Mas em relação às outras duas suspeitas, de delegação irregular de atos oficiais e de rachadinha, Willian Silva considerou que é melhor investigar.

Os demais desembargadores concordaram com o corregedor.

SEM AFASTAMENTO

Vladson Couto Bittencourt não vai ser afastado do cargo durante a tramitação do PAD.

Cabe lembrar que a instauração do processo não significa que o juiz, realmente, cometeu alguma irregularidade. A investigação pode concluir isso ou não. 

O Processo Administrativo Disciplinar, como o nome já diz, tramita na esfera administrativa. Não é um processo criminal. O que vai ser apurado é se o magistrado infringiu a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e o Código de Ética da Magistratura.

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