O vice-presidente da República, Hamilton Mourão (Republicanos), passou rapidamente pelo Espírito Santo nesta segunda-feira (20), para uma palestra em Vila Velha. Lá, numa universidade privada, foi aplaudido, elogiado e homenageado.
A imprensa ficou restrita a uma distante sala e não pôde questioná-lo, mas o próprio Mourão, na palestra, falou sobre o "bárbaro assassinato" do indigenista e servidor da Funai Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Philips.
O vice-presidente fez uma explanação sobre as condições da Amazônia, um território muito vasto, em que "o tempo é contado em semanas, não em dias ou horas" e da dificuldade de mobilizar tropas para a região.
Mourão admitiu que organizações criminosas atuam flagrantemente na Amazônia, algo que ganhou mais visibilidade após os assassinatos de Dom e Bruno. E mais: afirmou que, em relação à extração ilegal de minerais, esses grupos têm representantes entre deputados federais e senadores:
"Uma questão que tem que ser tratada é a existência de áreas de mineração de ouro, diamantes, que hoje são explorados ilegalmente. Essa exploração ilegal favorece os grupos criminosos e alguns desses grupos criminosos, lamentavelmente, possuem representantes dentro do Congresso Nacional".
O vice-presidente da República, além de general da reserva do Exército, é também presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal. O tema da palestra era justamente a Amazônia.
Claro que as organizações criminosas não começaram a atuar agora na Amazônia e em outros biomas e tampouco os supostos congressistas apoiadores do crime surgiram do nada. Ocorre que, no governo Jair Bolsonaro (PL), integrado por Mourão, os criminosos têm uma cortina de proteção fornecida pelo enfraquecimento dos órgãos ambientais e de fiscalização.
Bruno Pereira, por exemplo, foi exonerado do cargo de coordenador de Indígenas Isolados, em 2019, após coordenar uma operação que expulsou centenas de garimpeiros da terra indigena Yanomami, em Roraima.
O servidor de carreira, que até então ocupava também essa função de chefia, acusou o presidente da Funai, nomeado por Bolsonaro, de ser ligado a ruralistas.
Mourão não mencionou possíveis tentáculos de criminosos no próprio governo federal. Justificou, de certa forma, a ausência do Estado em locais como o Vale do Javari, onde ocorreram os assassinatos, à imensidão do território.
"Javari é maior que a ilha da Irlanda", destacou. E ainda repassou às vítimas parte da responsabilidade pelo crime:
"(Dom e Bruno) entraram em local onde havia gente mal intencionada sem a devida proteção", afirmou. Bolsonaro classificou a passagem de Dom e Bruno, que faziam contato com índios que vivem sob ameaças de criminosos, como "uma aventura".
Resta saber a quem eles poderiam recorrer, dado o desgaste institucional aqui já mencionado e a falta de representantes do Estado no imenso Javari, como reconheceu Mourão.
Ele também mencionou, no entanto, algumas ações do governo federal para coibir o crime na Amazônia, embora tenha salientado a dificuldade para mobilizar tropas e demais servidores para lá.
Como exemplo, ele citou a Operação Guardiões do Bioma, lançada em 2022, coordenada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública com a participação do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Defesa.
O objetivo é instalar ao menos dez bases, com policiais e outros agentes de fiscalização, nos principais municípios em que ocorrem ilegalidades.
O governo quer, segundo ele, zerar o desmatamento ilegal até 2028.
O problema, isso o vice-presidente não mencionou, é que a estratégia do governo tem sido, muitas vezes, apenas legalizar o desmatamento ilegal, anistiando os desmatadores.
Mourão ironizou países que cobram a preservação da Amazônia e frisou que a Alemanha vai voltar a usar térmicas movidas a carvão, "poluição pura", após abrir mão das usinas nucleares e ficar refém do gás da Rússia. "O Brasil tem sido tratado como o vilão da história", criticou.
Ele defendeu que países paguem para que o Brasil preserve a natureza, mas sem cobrar prestação de contas sobre como os recursos são aplicados.
"Se nós zerarmos o desmatamento e mantivermos assim, vamos ter feito a nossa parte para impedir a elevação da temperatura da Terra", destacou.
O vice-presidente não é um negacionista das mudanças climáticas, ao contrário de diversos bolsonaristas. Mas quer compensações:
"Se vamos preservar isso para manter a vida no planeta como a conhecemos hoje, os outros países têm que nos pagar. E não é doar 1 bilhão de euros e eles controlarem como vai ser gasto".
"Temos que passar o bastão para nossos filhos e netos com o planeta habitável", exaltou.
"O CONGRESSO SEQUESTROU O ORÇAMENTO"
Em mais um petardo contra o Congresso, Mourão avaliou que a Câmara e o Senado "sequestraram o Orçamento":
"No governo Dilma, ela numa situação difícil, as emendas parlamentares se tornaram obrigatórias. No governo Temer, as emendas de bancada também se tornaram obrigatórias. No nosso governo, infelizmente, apareceu a emenda do relator".
"Fica quase paroquial isso (os critérios de aplicação dos recursos públicos, definidos por parlamentares de acordo com seus interesses eleitorais)", apontou.
O que o vice-presidente não disse é que isso ocorre com a bênção do governo federal. À frente da ofensiva do Congresso sobre o Orçamento está o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), eleito para o posto com o apoio de Bolsonaro e um dos principais aliados do Palácio do Planalto.
Lira é um dos líderes do Centrão, núcleo de partidos fisiológicos de olho em verbas e cargos que ganhou protagonismo no atual governo.
Mourão quer integrar o Congresso. Ele é pré-candidato ao Senado pelo Rio Grande do Sul.
"LIDERANÇA AGREDORA"
Para o vice-presidente, o Brasil precisa superar a "guerra cultural" gerada nos Estados Unidos, que culminou na eleição de Donald Trump em 2016 e foi importada para o Brasil, levando à ascensão de Bolsonaro.
Ele afirmou que o país precisa de uma liderança "reformista, inspiradora, agregadora e facilitadora".
Ao menos agregador é um adjetivo que não se pode imputar a Bolsonaro. Os outros, depende do ponto de vista do leitor.
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