Este é um espaço para falar de Política: notícias, opiniões, bastidores, principalmente do que ocorre no Espírito Santo. A colunista ingressou na Rede Gazeta em 2006, atuou na Rádio CBN Vitória/Gazeta Online e migrou para a editoria de Política de A Gazeta em 2012, em que trabalhou como repórter e editora-adjunta

O que Renato Casagrande espera do governo Lula

Em entrevista à coluna, o governador do ES também falou sobre relação com a Assembleia, formação do secretariado e até a transição que vai fazer entre o atual governo e o próximo, a ser comandado por ele mesmo

Vitória
Publicado em 02/11/2022 às 02h10
Renato Casagrande discursa no evento Diálogo com o Setor Produtivo
Renato Casagrande discursa no evento Diálogo com o Setor Produtivo. Crédito: Alexandre Mendonça

Reeleito no dia 30 de outubro, após uma disputa acirrada no segundo turno, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), recebeu a coluna nesta terça-feira (1) no Palácio Anchieta. O socialista conseguiu o feito de obter a vitória em um território majoritariamente bolsonarista. O presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), recebeu 58% dos votos no estado.

Casagrande alcançou 53,8%, contra 46,2% do adversário Carlos Manato (PL), que foi apoiado pelo chefe do Executivo federal.

Grupos radicais minoritários mostram-se inconformados com a derrota no pleito nacional e transitam em um universo paralelo em que seria possível impor à força a manutenção de Bolsonaro no poder. Em resumo, são golpistas, autoritários, contra a democracia.

Não cabem meias palavras aqui. Imaginem se o PT tivesse perdido a eleição e os petistas fechassem rodovias para tentar reverter o resultado? Certamente, os adjetivos não seriam mais lisonjeiros.

O fato é que, mesmo em um cenário conflagrado, o ex-presidente Lula (PT) vai comandar o país a partir de janeiro de 2023. Casagrande declarou voto no petista, mas não fez campanha para ele. Até incentivou o voto CasaNaro, ou BolsoGrande, o que acabou sendo um dos fatores que lhe garantiram a reeleição.

Agora, o governador avalia que Lula vai fazer um governo voltado mais ao centro do espectro político do que à esquerda. E enfrentar muitas dificuldades, dada a situação das contas públicas, exauridas numa proporção inédita por Bolsonaro na tentativa de se reeleger.  

E isso tudo em meio ao peso político do bolsonarismo que, como é possível perceber, não vai arrefecer apenas devido à derrota do "mito".

"O bolsonarismo não elegeu o presidente, mas é uma força que tem energia no Brasil. Não adianta a gente achar que isso desaparece num piscar de olhos", admitiu Casagrande. Se isso é má notícia para Lula, o mesmo vale para o governador capixaba.

Renato Casagrande (PSB)

Governador reeleito do Espírito Santo

"Essa força continua (o bolsonarismo). Esse sentimento conservador reacionário continuará"

Quanto às demandas do estado, Casagrande tem consciência de que o governo federal não vai ter dinheiro para fazer grandes investimentos, mas espera que, ao menos, cumpra com suas "obrigações".

Também anseia que Lula estabeleça um diálogo direto com governadores e prefeitos. 

O governador também falou sobre relação com a Assembleia Legislativa, formação do novo secretariado e até a transição que vai fazer entre o atual governo e o próximo, a ser comandado por ele mesmo.

A coluna também quis saber sobre a sucessão estadual. Sim, já tem gente que especula sobre quem vai ser o candidato apoiado por Casagrande em 2026, uma vez que ele, desta vez, não vai poder tentar a reeleição.

Confira a entrevista:

O que o senhor espera do governo Lula? Não digo apenas em relação ao Espírito Santo, mas como imagina que vai ser o perfil da gestão dele no país?

O presidente Lula sabe que vai enfrentar um 2023 muito difícil porque as condições fiscais do Brasil são ruins. O custo financeiro da eleição é muito forte (devido) a quantidade de benefícios concedidos, que não tem como serem retirados, até porque são pessoas que precisam desses benefícios.

Ele vai enfrentar uma situação muito delicada. Na minha avaliação, fará um governo de centro, social-democrata, como sempre fez. Acho que vai ter muito zelo na escolha da equipe econômica. Ele tem a oportunidade de fazer um governo bom. 

Tenho expectativa positiva sabendo que ele vai sofrer muito por governar em um período muito difícil de governar.

O bolsonarismo não elegeu o presidente, mas é uma força que tem energia no Brasil. Não adianta a gente achar que isso desaparece num piscar de olhos. Essa força continua, esse sentimento conservador reacionário continuará.

O gesto do presidente Lula, o jeito dele governar, as ações do governo, tudo isso poderá reduzir o ímpeto dessas forças mais conservadoras, mas vai ter polarização política, um Congresso majoritariamente bolsonarista.

Claro que uma parte (dos deputados federais e senadores) já vira (aliado do novo presidente) automaticamente, mas tem alguns que são ideológicos.

O cenário não é bom. O que tem de bom é que Lula tem experiência, volta com a política para o leito natural, que é o leito da mediação, do diálogo, que é sentar à mesa, conversar. 

O presidente Bolsonaro tem outro estilo, que é o do enfrentamento permanente. Ele se alimenta e produz energia no enfrentamento. 

Tenho expectativa que ele (Lula) formule um canal de conversa federativa com governadores e prefeitos, o que o presidente Bolsonaro delegou aos ministros, com os quais a gente teve boa relação.

Mas quando o presidente se envolve e conhece os temas de cada estado ajuda a gente a achar caminho no governo federal. O estilo do presidente Lula permite que a gente possa sentar à mesa e discutir os temas do estado com ele.

Esse canal, mesmo a gente sabendo que pode não haver muitos recursos à disposição dos estados, se o governo conseguir encaminhar solução para aquilo que é seu dever, sua obrigação no nosso estado, já seria uma grande coisa.

O senhor já conversou com o Lula?

Não. Conversei com o Alckmin, ontem (dia 31). Mas não conversei sobre esses assuntos, não. Foi mais para dar os parabéns. Amanhã (dia 2) vou a São Paulo e talvez tenha um encontro com Alckmin. Aí talvez tenha a oportunidade de tratar de alguns temas com ele.

Se ele (Lula) conhecer os temas e der velocidade à nova concessão da BR 101, a 262, a ferrovia ... a gente tem que ter um canal de diálogo sobre os nossos assuntos.

O PSB, além da vice-presidência da República, com o Alckmin, vai ocupar outros espaços no primeiro escalão do governo ou pleiteia isso?

Terá. Não acompanhei porque tive que me dedicar à eleição local, mas o partido certamente terá participação no governo, em algum ministério, mas onde o PSB vai participar não tem ainda.

Agora, sobre temas locais, como deve ser a sua relação com a Assembleia? Vários deputados estaduais foram eleitos fora dos partidos da sua base, mas não necessariamente eles vão fazer oposição. Por outro lado, o PL elegeu a maior bancada, cinco entre 30, e o Manato recebeu 1 milhão de votos, isso dá força política à oposição.

Exigirá uma dedicação maior nossa. Não que não estejamos dando atenção à Assembleia, a gente sempre deu, tanto que nunca tivemos dificuldade na Assembleia, Um estresse aqui ou ali, mas o que era estratégico e importante avançou na Assembleia Legislativa. 

Teremos dificuldades aqui ou ali, mas majoritariamente vamos construir uma base que vai dar sustentação ao governo. Por mais que você tenha alguns parlamentares com estilo mais agressivo, a grande maioria eleita tem ambiente de diálogo.

Dos 30 (deputados estaduais), se você avaliar, vai ver que o governo encontrará ambiente para debater com eles e conquistar maioria na Assembleia.

Minha prioridade agora é fechar bem o governo atual, preparar um planejamento (voltado ao próximo governo), montar uma equipe de transição para fazer o cronograma.

O senhor então vai ter uma equipe de transição do seu governo para o seu próximo governo?

Sim. É importante. Temos um programa, propostas e temos que colocar prazos. Vou montar uma equipe interna técnica para definir os atos que vamos executar.

Algum secretário vai ficar responsável por esse grupo?

Certamente o secretário Álvaro (Duboc, da pasta de Governo) estará, mas ainda não montei (a equipe de transição).

Em relação a nomes para o secretariado do próximo governo ...

Só em dezembro.

Ricardo Ferraço o senhor já me disse que pode ser secretário e que ele iria coordenar as áreas de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico e Agricultura.

Pode ocupar uma secretaria. Pode ser secretário e coordenar (outras áreas). É vice-governador, posso dar a ele essa autoridade.

Tem gente que vai permanecer na equipe, outros que vão mudar de local e gente nova que vai entrar. É um novo governo, mas com continuidade. Mas só vou definir isso em dezembro.

O deputado federal não reeleito Felipe Rigoni pode ser secretário?

É um nome que colaborou comigo. Não é um assunto que nós tratamos, só vou avaliar em dezembro. Mas é um nome com capacidade.

Se o senhor diz que está cedo para falar de secretariado, imagino que também vai achar cedo para falar de sucessão ...

Sucessão de quem (risos)?

Do senhor, em 2026. Sou obrigada a perguntar, as pessoas já estão comentando. O senhor não vai poder tentar a reeleição. Não que se possa adivinhar quem o senhor vai apoiar. Mas não é algo que pode ser improvisado no ano eleitoral. O senhor tem pensado nisso?

Não. É muito tempo de antecedência. Vivi a campanha mais dura da minha vida. Lutamos contra uma força política sobre a qual não temos controle, o bolsonarismo, que é muito forte no Espírito Santo.

De forma até diferenciada de outros estados, foi o único em que um candidato a presidente forte não conseguiu carregar seu aliado. 

A gente conseguiu aqui uma vitória diferenciada do Brasil todo. Nos cabe agora começar bem o governo.

Também sofremos nesta eleição, além da força do bolsonarismo, a força da renovação.

A gente enfrentou pessoas que acham que a gente está há muito tempo no governo, independentemente de quem era o outro candidato.

Nós vamos ter que avaliar o desempenho do nosso governo, o desempenho do presidente Lula aqui e, lá na frente, ver o que caminho que a gente toma.

Temos que ter pessoas preparadas. Mas a política é engraçada, Letícia. Você pode tentar preparar uma pessoa, mas às vezes a pessoa que você prepara não é a pessoa que a população quer.

Então você tem que ter alternativas, que vão surgir no decorrer dos próximos anos.

As pessoas falam muito no Ricardo (Ferraço), que poderá ser o candidato em 2026, mas é uma especulação longínqua. Vai depender muito do meu desempenho, do desempenho do Ricardo e da conjuntura política.

Acho que não vamos ter eleição como essa mais.

Renato Casagrande (PSB)

Governador reeleito do Espírito Santo

"Conseguimos derrotar aqui no Espírito Santo forças muito atrasadas, gente que usou a fé cristã para se beneficiar politicamente"

Gente que não fez análise de questão de trabalho, só analisou as questões ideológicas nacionais...

O que o senhor acha, então, que foi determinante para que o senhor vencesse a eleição?

Minha história e a do Ricardo, temos uma história de diálogo. O resultado do meu governo, que, mesmo que não tenha sido preponderante, foi fundamental. O nosso compromisso de governar de forma a somar forças com quem quer que pudesse ser o presidente da República.

Isso nos levou a ter grande parte dos votos das pessoas que votaram no presidente Lula e uma parte das pessoas que votaram no presidente Bolsonaro. 

Se nós não tivéssemos tido a estratégia de nos equilibrar, de forma clara, sem nenhuma posição oculta... o meu candidato era o presidente Lula, mas ao mesmo tempo eu saberia conversar com quem quer que fosse o presidente. Já estou governando com o presidente Bolsonaro.

Nós poderíamos correr o risco de perder a eleição. Isso nos levou à vitória num momento de muita dificuldade. Um candidato que tem uma história no campo progressista, como eu tenho, ganhar a eleição num estado que é majoritariamente bolsonarista.

O componente nacional foi o principal. Um ou outro fugiu à regra, mas quase todos elegeram o governador do presidente que é forte no seu estado.

O Jerônimo (PT) ganhou a eleição na Bahia, um cara totalmente desconhecido, que era secretário de Educação. Por força do presidente Lula na Bahia.

O Tarcísio (PL) ganhou a eleição em São Paulo. Força do presidente Bolsonaro em São Paulo, assim como o Cláudio Castro (PL), no Rio de Janeiro.

É cedo para tratar de 2026 num cenário político tão instável.

Correção

2 de novembro de 2022 às 09:09

Por um erro de digitação, inicialmente o texto informava que Renato Casagrande recebeu 58,3% dos votos no segundo turno. O correto é 53,8%. A informação foi corrigida.

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