O voto é secreto. Assim, ninguém é obrigado a dizer em quem vai votar. É comum, entretanto, que líderes políticos o façam. É uma forma de se posicionar, escolher um lado e contribuir para a eleição de alguém em quem acredita, por convicção, ou para barrar alguém que seria pior que a alternativa.
Desde que deixou o governo do Espírito Santo, em 2018, o ex-governador Paulo Hartung, que também saiu do MDB e está sem partido, parou de participar abertamente da política local.
Voltou as atenções ao cenário nacional, passou a ser uma espécie de analista e consultor, ouvido, por exemplo, pelo apresentador de TV Luciano Huck, que ensaiou se lançar à Presidência da República, mas recuou.
Hartung publica artigos frequentemente em jornais como "O Estado de S. Paulo" e concedeu, em agosto, uma entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, um espaço de prestígio. Em relação à corrida pelo Palácio do Planalto, ele sempre defendeu uma terceira via, ou "centro expandido", alguém viável que pudesse ser alçado ao cargo em oposição ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e ao ex-presidente Lula (PT).
No Roda Viva, ele se mostrou entusiasta de Simone Tebet (MDB), que concorreu ao Executivo federal. Criticou o fato de ela ter votado a favor da PEC Kamikaze, que permitiu a Bolsonaro burlar as regras eleitorais e fazer uma série de "bondades" em data próxima ao pleito. Mas considerou que a emedebista era a que chegava mais perto de representar o que ele defende para o país.
O eleitor, entretanto, optou pela polarização. Tebet, apesar de ter saído politicamente fortalecida das urnas, teve um desempenho tímido. Ficou em terceiro lugar, com 4,16% dos votos.
"Não anularei meu voto, não votarei em branco. Não cabe a omissão da neutralidade", afirmou a emedebista, três dias após o pleito. No segundo turno, declarou, com todas as letras voto em Lula:
"Depositarei nele o meu voto porque reconheço nele o seu compromisso com a democracia e com a Constituição, o que desconheço no atual presidente. Meu apoio não será por adesão. Meu apoio é por um Brasil que sonho ser de todos".
Até agora, Hartung não se manifestou em relação a votar em Lula ou em Bolsonaro. Ou se vai ficar neutro na disputa.
CASAGRANDE X MANATO
O mesmo vale para a corrida local. Mais acima registrei que o ex-governador deixou de participar abertamente da política do Espírito Santo. Mas, nos bastidores, ele se movimentou. O deputado estadual Sergio Majeski (PSDB), por exemplo, confirmou que, em março, teve um encontro com Hartung, mediado por um aliado em comum.
O parlamentar foi um crítico enfático da gestão Hartung, entre 2015 e 2018. Mesmo assim, de acordo com o que a coluna apurou, o ex-governador propôs que o deputado ingressasse no PSD, em que aliados de Hartung já haviam se instalado.
Na época, Majeski integrava o PSB e procurava outro partido. O superintendente da Polícia Federal, Eugênio Ricas, também estava de malas prontas para o PSD. A ideia é que ele disputasse o governo do estado. Tudo foi por água abaixo quando o ex-prefeito de Linhares Guerino Zanon, ao constatar que, no MDB, não conseguiria viabilizar a candidatura ao Palácio Anchieta, fechou com o PSD.
Guerino é um velho aliado de Hartung. Ricas, assim, sofreu uma rasteira e decidiu não ser candidato. Permaneceu na chefia da Polícia Federal e, segundo pessoas próximas a ele, ficou desiludido com a política partidária após o episódio.
Hartung também havia sido convidado a se filiar ao PSD, pelo presidente nacional da sigla, Gilberto Kassab. Este queria até que o ex-governador do Espírito Santo fosse candidato à Presidência da República. Não aceitou. No Roda Viva, Hartung repetiu o que havia dito em 2018: "Estou satisfeito com a minha conclusão de mandatos eletivos".
"Mas não de participação política. Mesmo velhinho, você vai me ver militando pela melhoria do país", complementou, na ocasião.
No Espírito Santo, o governador Renato Casagrande (PSB) disputa o segundo turno contra o ex-deputado federal Carlos Manato (PL). Casagrande já foi aliado de Hartung, mas os dois romperam, publicamente, em 2014. Naquele ano, o então emedebista bateu o socialista nas urnas.
A principal discordância entre os dois, ao menos, frise-se, publicamente, foi quanto ao equilíbrio fiscal do estado. Hartung alegou que Casagrande "exauriu a poupança" estatal, entre outras questões matemáticas e econômicas, apesar de a primeira gestão do socialista, como a atual, ter alcançado a nota do Tesouro Nacional.
No pleito de 2022, o governador foi atacado pelos adversários, aliados de Hartung, por, ironicamente, ter mantido o equilíbrio fiscal, mas, segundo eles, pecado na área social. Esta aliás, era a crítica que Casagrande fazia a Hartung.
O pleito de 2014 foi duro, marcado por ataques ácidos entre os adversários.
Manato, por sua vez, foi gestado pelo prefeito da Serra, Sérgio Vidigal (PDT) – em mais uma ironia, um dos principais aliados de Casagrande.
Começou a carreira política como secretário municipal e foi filiado ao partido de Vidigal por vários anos. Depois, passou pelo Solidariedade, até que se perfilou ao então deputado federal Jair Bolsonaro e ingressou no PSL (fundido ao DEM, o partido se transformou no União Brasil).
Manato nunca integrou o grupo hartunguista. Ao menos desde 2018 representa, basicamente, os valores do bolsonarismo, aos quais Hartung se opõe.
Aliados históricos do ex-governador, entretanto, estão no palanque do ex-deputado. Guerino Zanon é um deles. O ex-prefeito de Linhares ficou em terceiro lugar na corrida pelo Palácio Anchieta. E declarou voto em Bolsonaro, repetidas vezes, ainda no primeiro turno. No segundo, pulou rapidamente para o palanque de Manato e integra o núcleo duro da campanha do candidato do PL.
Guerino não está sozinho. O ex-prefeito da Serra Audifax Barcelos, que concorreu ao governo pela Rede e chegou a dizer, no ano passado, que gostaria que Hartung fosse candidato ao Senado na chapa dele, também apoia Manato. E participa ativamente da campanha, até saiu da Rede para isso.
Outro hartunguista, o ex-secretário da Fazenda da Prefeitura de Vitória Aridelmo Teixeira (Novo) não apenas endossa o candidato do PL como aceitou comandar a Fazenda estadual, se Manato vencer o pleito.
Cabe ressaltar aqui que nenhum deles disse ter agido assim por orientação de Hartung.
Hartung foi procurado pela coluna nos últimos dias e questionado a respeito do posicionamento no segundo turno, no país e no estado. A pergunta é se ele vai apoiar algum candidato. Em resposta, silêncio.
Em artigo publicado no Estadão no último dia 4, o ex-governador tratou da eleição nacional, mas sem escolher um lado. Ele criticou o debate raso do primeiro turno e frisou que o segundo é a oportunidade para "a efetivação de um debate sobre o Brasil real", pautado por temas como educação, segurança, saúde e equilíbrio fiscal.
"O que mais se prometeu foram terrenos na Lua, tamanha a falta de lastro no chão da realidade da maioria do que se afirmou", escreveu Hartung.
Nada indica, no entanto, que a segunda etapa do pleito vá ser menos "lunática".
A questão, infelizmente, para muitos eleitores, como Simone Tebet, não é votar por convicção, mas escolher um lado para que a omissão dos líderes políticos democráticos não nos obrigue a ver quanto custa um terreno fora da galáxia.
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