O senador Marcos do Val (Podemos), em entrevista ao "Estadão", admitiu que recebeu R$ 50 milhões, via orçamento secreto, como "gratidão" por ter votado em Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para presidir o Senado, em fevereiro do ano passado. Ele destacou que a verba não foi uma promessa feita antes da votação, mas surgiu depois, assim, com esse critério pouco republicano.
"O critério que ele colocou para mim foi o critério de eu ter apoiado ele (sic) enquanto outros não apoiavam", disse Do Val, ipsis litteris.
O dinheiro foi enviado, como emendas, para o Espírito Santo.
A entrevista ao jornalista Daniel Weterman, com perguntas seguidas de respostas transcritas exatamente como o parlamentar falou, ficou na manchete do site do Estadão nesta quinta-feira (7), afinal, não é todo dia que um senador diz ter contado com dinheiro público por ter apoiado a campanha de um colega à Presidência do Senado, o que não tem nada a ver com interesse público.
Frise-se que em nenhum momento a reportagem, ou esta colunista, diz que o dinheiro foi desviado, que houve fraude ou algo do tipo. A questão é: como se decide para onde vai a verba? E estamos falando de R$ 50 milhões, uma cifra tão expressiva que até Marcos do Val achou muito alta:
"Eu não sei qual é a conversa que ele teve em valores com os outros. Para mim, quem me ligou dizendo foi até o Davi (Alcolumbre), não foi nem o Rodrigo. E aí com o Davi que eu perguntei. Eu achei até muito para eu encaminhar para o Estado (Espírito Santo), mas como (é) questão de saúde, eu não vou negar. Eu perguntei: 'Mas teve algum critério?' Ele só falou: 'Aquele critério que o Rodrigo falou para vocês lá no início'. 'Ah, tá, entendi.' Mas ele falou: 'Só que o Rodrigo te colocou no critério como se você fosse um líder pela gratidão de você ter ajudado a campanha dele a presidente do Senado.'"
Alcolumbre, ex-presidente da Casa, foi o articulador da campanha de Pacheco.
Pois bem. Após a repercussão da entrevista, Do Val publicou uma nota dizendo que foi "mal interpretado".
"Só posso acreditar que fui mal interpretado quando concedi uma entrevista por telefone. Jamais houve qualquer tipo de negociação política para a eleição do Presidente Rodrigo Pacheco que envolvesse recursos orçamentários. Afirmo com toda certeza que jamais aconteceu", diz o texto.
"Reforço mais uma vez, que todo o recurso orçamentário recebido foi destinado ao Espírito Santo e por iniciativa própria sempre foram informados na sua integralidade ao Ministério Público do ES. Peço desculpas por eventual mal entendido", reforça ainda. Leia a nota na íntegra no final desta coluna.
Já em entrevista à reportagem de A Gazeta, Do Val afirmou que recebeu, sim, uma compensação por ter apoiado Pacheco: a presidência da Comissão de Transparência, Fiscalização e Controle do Senado.
Chega a ser irônico, já que o que falta ao orçamento secreto, como o nome sugere, é transparência.
"O orçamento secreto fere a Constituição por não respeitar a transparência na divisão das verbas, na avaliação do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU). O modelo também distorce as regras ao permitir que os presidentes da Câmara, do Senado e o relator do Orçamento decidam quem vai indicar as emendas parlamentares e receber dinheiro público", como registrou a reportagem do Estadão e inúmeras outras sobre o tema.
Após a nota de Do Val falando em "mal entendido", o Estadão divulgou o áudio da entrevista. Está tudo lá.
Enfim, o que parece ter ocorrido é que o senador percebeu o efeito negativo de suas afirmações e recuou, mas o que foi dito foi dito. É como print, é eterno.
Obviamente, a história não pegou bem para Pacheco e Alcolumbre.
EMENDAS SECRETAS OBRIGATÓRIAS
O episódio envolvendo Do Val tem um agravante, que é o fato de ele estar em uma posição estratégica.
O senador é o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023 e incluiu no relatório que as emendas do orçamento secreto passem a ser de execução obrigatória no ano que vem.
Se essas emendas, tecnicamente chamadas de RP 9, tornarem-se impositivas, o orçamento público vai ficar ainda mais amarrado a critérios, no mínimo, paroquiais utilizados por parlamentares na hora de enviar dinheiro a suas bases eleitorais. E, quando não, critérios sujeitos a "mal entendidos", como foi o caso dos R$ 50 milhões de Do Val.
Além disso, tem um custo político e econômico para o governo federal que, embora libere frequentemente o pagamento das emendas do orçamento secreto, pode contingenciá-las, se quiser.
Por outro lado, Do Val afirmou que vai haver mais transparência na liberação do dinheiro.
"A RP 9 não vai ter um único responsável; o presidente também vai ser responsável, para não ficar um valor tão expressivo com uma pessoa, decisão conjunta entre presidente e relator. (...) A sociedade tem o direito de saber para onde estão indo esses recursos. (...) Queremos deixar cada vez mais transparente para a sociedade, porque esse recurso é da sociedade. Não tem cabimento nenhum ser um orçamento secreto, a gente precisa desconstruir isso porque daqui para a frente não vai ter nada de secreto", afirmou o senador em junho, quando da aprovação do relatório da LDO na Comissão Mista de Orçamento.
Os deputados Felipe Rigoni (União Brasil) e Tabata Amaral (PDT-SP) e os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Alessandro Vieira (PSDB-AL) foram ao Supremo Tribunal Federal contra a imposição das emendas do orçamento secreto. O ministro Kassio Nunes Marques pediu explicações a Do Val.
O fato é que o orçamento secreto é, hoje, mais uma maneira de o Congresso interferir no destino das verbas federais sem que isso siga as prioridades elencadas pelo governo ou que esteja de acordo com alguma política pública nacional.
O critério é, na maioria das vezes, político eleitoral. Isso ocorre com as emendas parlamentares e as emendas de bancada, já impositivas, e agora o cenário é de engessar ainda mais o próximo governo, seja ele qual for.
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