O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) decidiu, à unanimidade, nesta quinta-feira (18), abrir Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra os juízes Alexandre Farina Lopes e Carlos Alexandre Gutmann, acusados de participação em esquema para a venda de uma sentença na comarca da Serra.
Eles foram denunciados pelo Ministério Público, no âmbito criminal, e presos preventivamente na Operação Alma Viva. Os dois já estão afastados das funções e tornaram-se réus, na ação penal, também por decisão proferida nesta quinta-feira.
Agora, os magistrados passam a responder, pelos mesmos fatos, a um processo na seara administrativa. Nesse caso, as penas variam de advertência a aposentadoria compulsória com remuneração proporcional ao tempo de serviço. Farina e Gutmann vão ter direito a ampla defesa.
O relator do PAD, definido por sorteio, vai ser o desembargador Robson Albanez.
Se condenados à pena máxima, a aposentadoria, isso não impede que continuem a responder criminalmente pelo esquema apontado pelo Ministério Público na Alma Viva.
Aposentados, no entanto, eles perderiam o foro especial e deixariam de ser julgados pelo TJES. A ação penal "desceria" para a primeira instância.
O CASO
Os indícios de irregularidades tratados na Reclamação Disciplinar que resultou na abertura do PAD têm como base provas emprestadas do inquérito que originou a Operação Alma Viva.
A sentença que foi negociada, de acordo com o Ministério Público, dizia respeito ao registro de um terreno que mede 631.597 metros quadrados, localizado no bairro Pitanga, na Serra.
A tabeliã do cartório do Cartório do 1º Ofício da 2ª Zona da cidade ingressou com uma ação de suscitação de dúvida para saber se havia impedimento para registrar o imóvel, que já era alvo de disputa judicial.
"Estamos diante do ovo da serpente, o início de toda a trama criminosa", afirmou o procurador de Justiça Josemar Moreira, na sessão em que defendeu o recebimento da denúncia na esfera criminal.
A empresa Cecato Negócios Imobiliários Ltda, da qual Eudes Cecato é sócio, pleiteava o registro, mas "os documentos levados a registro pela empresa expressamente tratavam de direitos possessórios, não de propriedade", "indicando potencial fraude".
O empresário, logo, tinha interesse em uma decisão favorável, para que pudesse registrar o terreno.
Para isso, ainda segundo a denúncia, Eudes comprou a sentença. A decisão, justamente beneficiando o empresário, foi proferida por Gutmann, que atuava como juiz substituto na Vara da Fazenda Pública Estadual, Registros Públicos e Meio Ambiente da Serra, em março de 2017.
O Ministério Público sustenta que Alexandre Farina, que na época era titular da 1ª Vara Criminal da Serra, "liderou a negociação". O então policial civil Hilário Frasson, por sua vez, intermediou o pagamento e o esquema.
A palavra "propina" é mencionada 25 vezes na denúncia, que tem 137 páginas. Em mensagens trocadas via WhatsApp entre Farina e Hilário, a vantagem indevida é chamada de "vaca", de acordo com o entendimento do MP.
Farina foi denunciado pelos crimes de corrupção passiva, concurso de pessoas – que é uma espécie de associação criminosa, mas não permanente – e crime continuado (prática de dois ou mais crimes da mesma espécie).
Para o MPES, Gutmann, por sua vez, incorreu em corrupção passiva e concurso de pessoas.
PROCESSSO ADMINISTRATIVO
Já a Reclamação Disciplinar foi instaurada de ofício, ou seja, sem que alguém tenha solicitado, no dia 21 de junho de 2021, pelo corregedor do TJES, Ney Batista Coutinho.
Na sessão desta quinta-feira (18), ele defendeu a abertura do PAD por entender que Farina e Gutmann, "violaram, em tese, deveres éticos e funcionais".
Ney Batista Coutinho
Desembargador e corregedor do TJES
"Não se está decidindo de forma conclusiva sobre a existência ou não de culpa dos magistrados"
"Abertura de PAD tem o condão de averiguar, com a profundidade necessária, os fatos e as respectivas condutas, com o princípio do contraditório e ampla defesa", pontuou.
O corregedor também votou para que os juízes fiquem afastados das funções enquanto durar o PAD.
O OUTRO LADO
As defesas de Farina e Gutmann, em sustentação oral na sessão, argumentaram que as provas são nulas, pois surgiram da apreensão do celular de Hilário Frasson, então preso e agora já condenado, como mandante do assassinato da ex-esposa, Milena Gottardi.
O advogado Delio Lins e Silva, que atuou em favor de Farina, argumentou que houve cerceamento de defesa e que o Ministério Público realizou perícia dos dados apreendidos no celular de Hilário, já sabendo que autoridades com foro especial, os juízes, poderiam ser mencionados.
Silva sustentou que o MP deveria ter comunicado o TJES imediatamente e não dar prosseguimento à investigação.
A tese, no entanto, foi refutada pelo TJES, que entendeu que as provas foram encontradas fortuitamente e, depois, a Corte foi informada.
Raphael Câmara, que atuou na defesa de Gutmann, também argumentou que as provas são nulas e que, no mérito, não há indícios mínimos de participação de Gutmann no esquema, uma vez que não há conversas dele transcritas nos autos.
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