O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) decidiu, nesta quinta-feira (15), revogar algumas das medidas cautelares impostas ao juiz de Direito Carlos Alexandre Gutmann. Ele é réu por corrupção em ação penal no âmbito da Operação Alma Viva, que descortinou a suposta venda de uma sentença na comarca da Serra.
A decisão foi assinada por Gutmann. Ele chegou a ser preso preventivamente, assim como outro juiz, Alexandre Farina, acusado de intermediar a negociação. Depois, os dois foram liberados, mas sob condições.
Gutmann tinha, por exemplo, que ficar em casa das 20h às 6h. Para se ausentar da comarca por mais de oito dias, deveria pedir autorização. Estava proibido de conversar com magistrados, servidores do Judiciário e membros do Ministério Público, exceto familiares.
O passaporte dele foi retido e o magistrado era obrigado a comparecer à Secretaria do Pleno uma vez por mês.
A defesa do juiz pediu ao Tribunal, onde tramita a ação penal, a revogação dessas medidas.
Não se insurgiu, entretanto, contra outras exigências, como o pagamento de fiança de R$ 100 mil, que já foi efetuado, e o impedimento de manter contato com outros investigados. Esses pontos estão mantidos.
O relator da ação, desembargador Namyr Carlos de Souza Filho, votou contra o pedido.
Ele lembrou que as medidas cautelares impostas as réus quando do relaxamento da prisão, em dezembro de 2021, têm o objetivo de, principalmente, preservar a instrução processual, ou seja a colheita de provas, sem que os réus tentem interferir para destruí-las ou coagir testemunhas, e evitar que os acusados continuem a cometer crimes.
"Não foi possível realizar a instrução penal de forma célere devido a recursos protelatórios apresentados pela defesa", destacou o magistrado.
Ele lembrou que houve até uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, concedida a pedido da defesa, para paralisar a tramitação da ação penal por um período.
E várias discussões que atrasaram os trabalhos, como o questionamento a respeito da possibilidade ou não de desembargadores substitutos (que são juízes de primeiro grau convocados para atuar na Corte) votarem em processos que têm juízes como alvo. A resposta foi positiva.
Mas, como consequência, a ação, que foi aberta em novembro de 2021, pouco andou.
O relator considerou, assim, que é necessário manter todas as restrições impostas a Gutmann. O Ministério Público Estadual se manifestou no mesmo sentido.
O que prevaleceu, entretanto, foi o voto divergente do desembargador Pedro Valls Feu Rosa.
"O Judiciário não tem autoridade para impor condições meramente humilhantes, que importem em mero constrangimento, sem utilidade prática. Essas condições humilhantes e ilegais estão em vigor há mais de um ano", afirmou, ao votar.
Antes, Feu Rosa destacou ser um "inimigo figadal de toda e qualquer forma de impunidade" e ter votado a favor da prisão preventiva de Gutmann e Farina anteriormente.
O desembargador, entretanto, elencou uma série de situações em que as medidas cautelares não são úteis à preservação do processo ou se chocam umas com as outras.
"Ele tem que vir à Secretaria do Pleno (localizada no TJES), porém não pode se comunicar com ninguém do Judiciário. Ele tem que a. aparecer e ficar parado, olhando, não pode dirigir a palavra a ninguém. Não pode chegar para a secretária e dizer 'aqui estou'. Se disser, voltará para a prisão, Tem que ficar olhando em silêncio até ser reconhecido para comprovar que ele esteve lá.
Se ele estiver no corredor e, dentro do requisito da educação, um de nós der um boa tarde ele não poderá responder", narrou Feu Rosa.
Ele também argumentou não fazer sentido o recolhimento noturno de Gutmann, uma vez que o crime do qual ele é acusado é o de corrupção, que não tem mais ou menos risco de ser cometido de dia ou à noite, independe do horário.
O recolhimento do passaporte também é inócuo, segundo o desembargador, já que, se o objetivo é impedir que o juiz fuja do país, bastaria que o réu fosse para o Paraguai ou para Argentina, por exemplo, que integram o Mercosul e permitem a entrada de viajantes brasileiros que apresentem apenas a Carteira de Identidade.
"Sou há anos julgador de Câmara Criminal. Raríssimas vezes vi uma pessoa submetida a essas condições ou tamanho rigor com assassinos, estupradores, corruptos de alto calão", frisou Pedro Valls.
"Moro no mesmo prédio do juiz Guttmann, mas em outra torre. A partir do momento da sua prisão, que ele foi envolvido nessa trama, jamais o vi", afirmou o desembargador José Paulo Calmon Nogueira da Gama, ao acompanhar o voto divergente e se postar a favor da revogação das cautelares.
José Paulo Calmon Nogueira da Gama
Desembargador do TJES
"Ele (Gutmann) perdeu, simplesmente, a dignidade"
Nem todos que votaram a favor da revogação das restrições seguiram o fundamento de Pedro Valls Feu Rosa.
"Não vejo incompatibilidade das medidas. Não é que ele não possa cumprimentar colegas, é lógico. Ele não pode é manter conversas alongadas", exemplificou o desembargador Fernando Bravin Ruy.
Para ele, entretanto, as medidas "são estéreis para a preservação da instrução penal" e configuram cumprimento antecipado de pena.
SÓ PARA GUTMANN
Além de Carlos Alexandre Gutmann, são réus na ação sobre a suposta venda de sentença o também juiz Alexandre Farina Lopes, o ex-policial civil Hilário Frasson, condenado em outro caso, como mandante do assassinato da ex-mulher, a médica Milena Gottardi, o empresário Eudes Cecatto e o ex-funcionário da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages) Davi
A revogação das cautelares não se estende a eles, vale apenas para Gutmann. As defesas dos demais, no entanto, podem pedir que os outros também sejam beneficiados.
Aliás, a defesa de Farina já o fez, alegando que a situação dele é igual à do outro magistrado.
Os dois juízes estão afastados das funções e são também alvos de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), cuja pena máxima é a aposentadoria compulsória.
A DEFESA
O advogado de Gutmann, Israel Jorio, defendeu, em sustentação oral no TJES, a revogação das cautelares sob o argumento da desnecessidade das medidas para a garantia da instrução penal e lembrou que já se estendem a mais de 11 meses.
Quanto à acusação de venda de sentença, a defesa sempre alegou a inocência do juiz e destacou que em mensagens trocadas entre os réus o nome de Gutmann é citado por outras pessoas. O próprio Gutmann já disse que seu nome foi usado.
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