Subir a estrada da Serra do Rio do Rastro, com suas 284 curvas sinuosas, que nos levam a alcançar mais de 1.400 metros de altitude, oferece mais que uma vista deslumbrante. A partir dali, além de uma extensa área coberta de araucárias nativas, descortina-se a região vinícola do Planalto Catarinense.
Situada entre altitudes que variam dos 900 aos 1.400 metros acima do nível do mar e concentrada no entorno das pequenas cidades de São Joaquim, Urupema, Urubici e Bom Retiro, essa surpreendente zona vitivinícola sequer existia no mapa 20 anos atrás.
Graças às condições climáticas favoráveis proporcionadas pela altitude, à intensa pesquisa de órgãos técnicos governamentais e aos investimentos de empresários apaixonados pelo vinho, cidades como São Joaquim passaram a ser conhecidas não apenas pelo frio e pela produção de frutas (o município é a capital nacional da maçã), mas também pela produção de vinhos finos.
Para atestar a qualidade desses vinhos, visitei algumas vinícolas nas proximidades de São Joaquim durante a colheita de uvas deste ano. Por conta do frio e da altitude, algumas variedades mais tardias só deverão ser colhidas durante o mês de abril. Ainda que seja um grande problema para o município e para outras culturas agrícolas, a falta de chuvas na região foi muito benéfica para as vinhas, proporcionando uvas de excelente sanidade e qualidade para a produção de vinhos, nos moldes da memorável safra de 2009.
A primeira parada foi na charmosa vinícola Leone di Venezia, há poucos quilômetros de São Joaquim, cujos vinhedos foram plantados exclusivamente com castas italianas, uma aposta do enólogo Saul Bianco, seguro do potencial delas na região e de seu conhecimento adquirido in loco, quando realizou seus estudos de enologia na Itália.
A vinícola impressiona desde a pitoresca fachada, inspirada nas villas projetadas no norte da Itália pelo arquiteto renascentista Andrea Palladio. Do ponto de vista enológico, as instalações são bastante modernas e o cuidado com o manejo e o amadurecimento dos vinhos é primoroso.
Dentre os vinhos degustados, cabe destacar o branco elaborado com Garganega (fresco e levemente frutado) e os tintos feitos com Sangiovese e Montepulciano (ambos com boa capacidade de evolução e guarda). Outro vinho que me chamou a atenção foi o Oro Vechio, blend de Gewurztraminer, Grechetto e Vermentino, de estilo laranja (longo contato com as cascas e as leveduras), bastante aromático e insinuante no paladar.
A segunda visita se deu na imponente Villa Francioni, talvez a grande precursora dos vinhos finos na região. Fruto do sonho do empresário Manoel Dilor Freitas de elaborar vinhos de qualidade em Santa Catarina, a vinícola atualmente está sob o comando de três filhos do já falecido empreendedor.
As instalações da vinícola são bastante sofisticadas e bem decoradas, resultado do amor pela arte de seu fundador. Por outro lado, ela foi meticulosamente projetada para conduzir o processamento das uvas e a vinificação em desnível, valendo-se da gravidade para dispensar o uso de bombas e garantir uma melhor qualidade do vinho.
Os rótulos elaborados na vinícola obtiveram muito sucesso e destaque no mercado nacional desde as primeiras safras, na segunda metade dos anos 2000. Tive a oportunidade de provar mais uma vez quase todos os vinhos da linha VF, com destaque para o Sauvignon Blanc (um dos melhores que já provei no Brasil), para o intenso e perfumado Rosé e também para o Micheli 2010, um tinto já bem maduro, elaborado com um corte majoritário de Sangiovese associado com um pouco de Cabernet Sauvignon e Merlot.
Para concluir o tour pelas vinícolas da região, fui conhecer o trabalho desenvolvido por outro apaixonado pelo mundo do vinho, José Eduardo Bassetti, que ao lado de sua esposa Eliana, conduz a Villaggio Bassetti com muito esmero e dedicação, focado em obter os vinhos da mais alta qualidade que esse terroir de altitude possa oferecer.
Os vinhedos dessa propriedade me causaram ótima impressão, desde a forma como as vinhas foram implantadas, bem como na qualidade dos frutos ainda em vias de serem colhidos. As instalações de vinificação são pequenas, mas perfeitamente dimensionadas a escala de produção atual (em torno de 20 mil garrafas anuais).
Por um golpe de sorte, cheguei na vinícola na mesma semana em que o mais novo rótulo da casa estava sendo lançado: o pinot noir “Eli”, uma justa homenagem a sua esposa. Um vinho sem passagem por madeira, cuja proposta é entregar o máximo de frescor e notas frutadas tão destacadas na casta Pinot Noir. Objetivo plenamente alcançado!
O outro excelente Pinot Noir, que já era produzido na casa e foi batizado “Ana Cristina”, segue outro caminho, focado no caráter mais sério da casta, com passagem por barricas de carvalho francês, conferindo-lhe um pouco mais de estrutura e um perfil mais macio no paladar.
Por outro lado, os tintos baseados na Cabernet Sauvignon me agradaram menos, certamente pela presença de notas de pirazina (cujo aroma remete a pimentão), um traço que observei em quase todos os vinhos que provei com essa casta na região. Parece ser uma dificuldade de maturação ideal, mas que segundo Eduardo Bassetti pode ser contornada e atenuada nas melhores safras.
Para encerrar, cabe destacar também a excelente infraestrutura das vinícolas da região para as atividades de enoturismo. Existem uma série de experiências de degustação, passeios e piqueniques nos vinhedos, capazes de encantar qualquer turista. Por outro lado, a região ainda carece de maior estrutura hoteleira para receber os visitantes. Um empecilho que começa a ser resolvido por algumas vinícolas que estão investindo em hospedagem própria na região.
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