Mas antes de tudo: prazer, caro leitor! Meu nome é Marcus Vinicius Sant’Ana, sou historiador e pesquiso as culturas populares capixabas. A cada quinze dias, trarei escritos que terão a cultura do nosso Estado como temática central, com informações históricas que visam trazer um melhor entendimento da nossa sociedade e uma compreensão da importância da cultura popular no cotidiano de um povo.
Voltando à minha afirmação inicial, vocês já devem ter percebido como é comum o uso de simplismos para caracterizar uma cidade. Exemplos: São Paulo comumente é representada pela imensidão de arranha-céus, baladas infindáveis e pessoas correndo atrasadas para seus múltiplos compromissos; já quando o assunto é o Rio de Janeiro, vemos constantemente uma representação de belas paisagens litorâneas, rodas de samba, botequins e cervejas geladas.
Convenhamos que, quando tal recorte simplista paira sobre nossa cidade, a ilha paradisíaca, “good vibes 027” e praiana que montam não dialoga muito com uma porção da cidade que só recebe considerável visibilidade neste momento do ano: a do Carnaval!
Primeiro, vamos ao que interessa, a história: as mais antigas referências a carnavais na nossa Capital datam do século XIX, pelos anos de 1850, quando jornais anunciavam o início da Quaresma. Tal marco, porém, se deve mais pelo limite dos arquivos dos periódicos, sendo bastante provável que o Carnaval por aqui já fosse festejado séculos antes, com os entrudos portugueses, assim como em outras cidades do país cuja trajetória histórica foi moldada pelas mãos da colonização lusitana.
Nestas páginas de jornais, encontramos referências a indivíduos que, contrariando a imposição do “bom costume”, levavam o Carnaval com uma seriedade tremenda.
Pedro Furão, um homem negro, trabalhador portuário e de pouco estudo, foi um desses. Usava de sua boa relação e trânsito livre entre as camadas populares para organizar blocos e sociedades carnavalescas que faziam sucesso na folia de Momo. Sempre uns dos mais esperados, isso no começo do século XX, seus blocos Chuveiro de Prata e Chuveiro de Ouro desciam o morro da Fonte Grande formados majoritariamente por mulheres e crianças, tendo à frente o próprio Pedro Furão, munido de um surdo de marcação, sempre atento à segurança de todos os presentes em seu cortejo.
Décadas mais tarde, na mesma Fonte Grande, Rômulo Pereira dos Santos, o Rominho, reunia uma turma, sempre às 18h, para apresentar uma nova forma de fazer carnaval que à época ja vinha fazendo muito sucesso no Rio de Janeiro. Surgiu, assim, em janeiro de 1955, a Unidos da Piedade, primeira escola de samba capixaba.

Os nomes de Pedro Furão e Rominho, figuram, obviamente, nas páginas de livros de história quando o assunto é Carnaval. Me arrisco, porém, a discordar de tal reclusão e afirmar que os respectivos senhores deveriam estar na prateleira de autênticos formadores sociais.
Digo isso pois, conscientemente — certa vez, quando perguntado sobre a função de uma escola de samba, Rominho respondeu que futuramente educaria os filhos e netos daqueles que a constroem —, eles e todos mais que lutaram pela existência da folia pelas ruas de Vitória construíram um universo de práticas e vivências que extrapolam os limites e datas carnavalescas. Explico. No próximo final de semana e no seguinte, a cidade se deparará, voluntariamente ou não, com os cortejos das escolas de samba e dos blocos carnavalescos.
O que alguns espectadores — e execradores — não sabem, ou fingem não saber, é que a data Carnaval é, para aquele povo todo que forma os agrupamentos carnavalescos, apenas um período de consagração e exibição, para toda a sociedade, de um cotidiano forjado em batuques, sambas de enredo, bandeiras e estandartes.
Quem é do Carnaval vive em uma cidade em que, desde a Quarta-feira de Cinzas do ano passado, os preceitos da folia ditam o ritmo e o rumo das engrenagens sociais, comunitárias e econômicas da vida de seus cidadãos, formando assim um ciclo infindável.
Aqui, nesta Vitória que muitos desconhecem, os aniversários são comemorados nas cores da escola, o estandarte do bloco é levantado em movimentos sociais, as baterias celebram as festas de casamento; é com a turma da escola de samba ou do bloco que se sai para tomar uma, que se viaja, que joga uma bola e, até no findar de tudo isso, é a bandeira da agremiação que cobre o caixão daquele que faz a passagem.
Na minha cidade, o tempo todo, o ano inteiro, transitam baianas, ritmistas, passistas, porta-estandartes e mestres-salas, que vez ou outra se fantasiam de cidadão comum para sobreviverem em uma realidade que não lhes cabe, mas logo voltam às suas fantasias para viverem uma realidade que os pertence!
Aos que ainda não conhecem, sejam bem-vindos à Vitória do Carnaval.
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