É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Crônica: como saber?

O mundo é racional e não por outra, quando falamos uns com os outros procuramos fazer sentido. É, ser compreendido é algo que nos dá prazer. Mas nossa natureza (interna) quase nunca é pacífica

Publicado em 04/07/2021 às 02h33
Mulher pintando
Quando vi, já estava inscrita no vestibular para artes. Sigo construindo meu querer dia após dia, sobrepondo a razão com pás de desejo, inquietude e intuição. Crédito: Freepik

Hoje uma amiga me disse que ouviu um professor dizer: "a razão cabe na vida, mas a vida não cabe na razão".

Achei bonito porque tenho certeza: a razão até existe, mas a vida sempre se sobrepõe.

O mundo é racional e não por outra, quando falamos uns com os outros procuramos fazer sentido. É, ser compreendido é algo que nos dá prazer. Mas nossa natureza (interna) quase nunca é pacífica. Aliás, ela é complexa e se dá numa relação de tensão entre o que queremos e o que devemos querer.

Por exemplo, sabe aquela hora que o bebê dormiu e a gente não sabe se lê, se vê filme, se dorme, se toma banho ou bebe vinho? Aquela hora em que ficamos tontos diante da possibilidade rara: "Fazer o que bem entender". 

(Hora estranha...)

Fiz um balde de pipoca. E agora?

Comecei a escrever. "Como saber o que se quer?" (Esse vai ser o título). Eu mesma não sei, mas desconfio.

Quando pequena achava que sabia. Queria ser advogada. Aliás, tinha certeza que meu futuro estava traçado e meu papel era apenas viver. Mais adiante, quando já havia dito a todo mundo o que eu haveria de ser, comecei a sentir uma espécie de angústia. Um mal-estar sem porquê. Ora, não me lembro de ser pressionada por ninguém. Eu simplesmente queria ser igual ao meu pai. Simples assim.

Talvez porque desde cedo, sentia que a sorte havia me escolhido, e nada era mais justo que devolver a alegria recebida, oferecendo a profissão da minha vida (um detalhe, eu presumia). Entrei para a faculdade e o mal-estar persistia... De modo que comecei a me punir. E plantei no terreno amoroso um pé de rebeldia – arrumei um namorado complicadíssimo pra me distrair e abafar quaisquer pensamentos possíveis. Mas o tempo foi passando, o namoro acabou, eu me formei, prestei a prova, passei e precisava me decidir. Meu senso de gratidão, contudo, continuava gigante. E eu, sincera ou ingenuamente, não via outra forma de agradecer. Assim, fiz o tinha que fazer. Tentei.

Mas não adiantou. Quando vi, já estava inscrita no vestibular para artes.

Bem, de lá pra cá, sigo meu caminho errante. Culpada por não ter conseguido me manter no caminho certo – na minha fantasia, ser advogada seria a solução para todos os meus medos sobre o futuro. Ou, pensando bem, talvez eu tenha guardado este lugar de propósito... Quem sabe assim, imaculado, ele nunca falhe em ser uma possibilidade... Quem sabe.

Enfim, sigo no terreno das tentativas. Construindo meu querer dia após dia, sobrepondo a razão com pás de desejo, inquietude e intuição.

É, o que realmente queremos não se aprende por decreto. Não tem tabuada, esquadro, fórmula, caminho certo. O que se quer de verdade não se apresenta, se aprende – fazendo.

Pronto, vou fazer pipoca doce.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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