É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Crônica: Dever de casa

Nosso dever de casa como humano-ser, é basicamente estar atento, presente no "fazer"

Publicado em 26/09/2021 às 02h00
Dever de casa, ensino, escola
Quando fazemos aquilo que a alma nos convoca a fazer, estamos cumprindo com nosso dever de casa. Crédito: Rudy and Peter Skitterians / Pixabay

Tem dia que eu sei direitinho.

Tem dia que eu finjo – dou meu jeito de fazer: escrever, cozinhar, ser amiga, criar filhos... Afinal, fácil não dá pra dizer que é.

E tem dia que... Ah, tem dia que ainda pode ser mais difícil!

Como criativa, dou forma às coisas, cores aos tecidos, e às palavras, sentido. E se faço isso é porque estou servindo. Exercitando, praticando, expandindo, atendendo ao chamado interno, a vontade, ao desejo que me aponta um dever simples: "Crie e comunique". (Ok. Até aqui, já entendi. Mas estou indo pra onde mesmo?)

A compreensão disso ainda não parece possível. De modo que o jeito é ir fazendo.

Fazer. Fazer. Fazer. Servindo como posso ao exercício de alcançar, por um instante que seja, a fonte que nutre as veias arteriais alheias. É isso.

(Ah, esqueci de dizer: além de criativa, sou do contra. De modo que meu desejo não é só tocar o peito, ou a ferida, mas descortinar sempre outras saídas).

Certa vez, meu pai me disse sobre uma visão que ele tinha sobre o meu futuro. E de tão puro, foi sagrado. Talvez ele não se lembre. Mas eu não consigo esquecer. Aliás, tem dias que essa visão ressurge, me fazendo perceber como ela está no pano de fundo de tudo que faço. Contornando o meu viver. (Mesmo quando não "dou conta" de entender).

O que me leva a pensar que nosso "dever de casa", ou propósito, como queira, não é exatamente a nota dez. Não é a estrelinha no canto da página, os aplausos de pé, o exercício de um pleno saber. Não é isso... Nosso dever de casa como humano-ser, é basicamente estar atento, presente no "fazer". Apontando o lápis, gastando a borracha, rasurando se for preciso. Fazendo e refazendo, enquanto aprendemos (dia após dia).

Perceba, no fim das contas, quando fazemos aquilo que a alma nos convoca a fazer, estamos cumprindo com nosso dever.

Enfim, tudo isso seria simples se não houvesse um grande porém... Estamos com pressa. Sem paciência, sem tempo e sem confiança para ouvir, fazer, aprender e evoluir. E assim seguimos comprando atalhos, diplomas, certificados, comprimidos, relações, seguidores, títulos, capas, sei lá o quê, para decretar que já sabemos e pronto!

– Pra quê? Porque nos deixamos levar por essa tentativa – fracassada antes da partida – de sermos perfeitos? Banhados a ouro apesar de ocos.

Ansiosos... – disse isso pensando no meu filho que, aos seis anos, ainda não domina a leitura, nem a escrita, por exemplo, e se sente frustrado com isso. Irritado em ter que "fazer, fazer, fazer para aprender". É, talvez ele pense que deve ter um jeito mais fácil do que esse de ficar fazendo dever de casa... (Porque no iPad, no videogame, na internet, quando a gente perde o jogo, é só apertar o botão e começar tudo de novo).

"Aprender custa tempo, filho". – Taí outra coisa que nos convenceram de que não podemos perder. E assim vamos consumindo pratos de macarrão instantâneo de galinha caipira, com suco de maçã de caixinha, acreditando piamente que estamos ganhando com isso.

Pense comigo, estamos perdendo saúde, cuidado, afeto... Pra ganhar tempo. (Tempo pra quê mesmo?) Assistir mais uma vez aquela série, rolar a barra da internet, jogar Candy Crush, postar, curtir, se desconectar – fugir (do que realmente interessa).

Por isso, é como digo e repito todos os dias por aqui: "só desce pro play, quem faz dever. Anda, bora fazer!"

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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